Para quem ganha a vida na boleia de caminhão, a saudade viaja junto no Natal
Todo ano o encontro com a família precisa ser adiado no Natal por quem trabalha pelas estradas desse País. É longe de casa, que o caminhoneiro Neodir Carraro, de 50 anos, descreve a saudade da última vez que conseguiu passar o fim de ano com a família.
“Chega arrepia, viu? É saudade demais. Com o tempo parece que a gente acostuma, mas quando chega hoje fica muito difícil ao lembrar daquele último abraço que a gente ganhou dos filhos”.
Motorista de caminhão há 26 anos, Neodir conta que já se acostumou com a distância. Mas o coração aperta ao olhar para trás e ver o que perdeu longe das filhas.
“Saí de casa pra trabalhar e minha filha caçula tinha quatro anos, hoje tem 14. Não fui as festinhas da escola, não brinquei com ela na rua e nem crescer”, desabafa Neodir sem conter o choro na frente os amigos.
Ficar tanto tempo fora de casa fez com que ele se acostumasse com a solidão. Mas nos dias festivos a dor da saudade aumenta e único jeito é se unir com quem vive a mesma realidade pelas estradas. O Lado B conversou com ele e outros trabalhadores que aproveitaram uma ceia especial com churrasco em um posto de gasolina na BR-163.
O único momento especial do dia para, depois de falar com a família somente por telefone. "Infelizmente a gente não consegue recuperar o tempo perdido. Então se vira como pode e tenta confraternizar com os amigos", completa.
Claudinei da Silva, de 42 anos, deixou a esposa e três filhos no Paraná para garantir o sustento. Mas admite que não é fácil ver a saudade cruzar fronteiras todo ano. "Nem sei mais quantas vezes consegui passar com a minha família. E todo ano a gente acredita que vai ser diferente, mas quando vê, não dá tempo de chegar em casa".
O motorista ainda vai para Cuiabá continuar o trabalho e espera chegar a tempo para o Ano Novo com os familiares no Paraná. "É tudo que eu mais quero. Mas na estrada a gente nunca sabe o dia de amanhã. A gente tem dia para sair de casa, mas nunca a certeza de que vai voltar".
Acostumado com a solidão, Antônio Vilson Boira, de 65 anos, deixou a família em Rondônia. Diz que já não se importa com a distância, mas lembra do tempo que era muito mais fácil amenizar a saudade. "Antigamente a gente colocava a esposa e a gurizada no caminhão e seguia viagem. Hoje é só o caminhoneiro e Deus".
Mas a saudade parece não calejar coração de Valdeci dos Santos, de 48 anos e duas décadas de experiência nas estradas. Ele a todo momento da esposa e dois filhos que deixou em casa. "Me dói muito, hoje é um dia que minha esposa nem fez almoço porque as crianças já estão maiores e cada um almoça em uma casa diferente. Minha mulher acaba ficando sozinha", descreve.
O que traz alento ao coração é a chegada de um novo ciclo e a fé de um ano diferente. "O único jeito é acreditar. A gente chora no Natal, mas quando chega o Ano Novo a gente entra nele revigorado, pronto pra continuar trabalhando e torcendo para passar o fim de ano com a família, pelo menos uma vez".