Por não pensar só em dinheiro, bares são braço forte da cultura na cidade
Alguns bares em Campo Grande vão contra a lógica comercial e viram queridinhos do público pela força que dão à cultura. Não têm frescura ou campanhas de marketing, e resistem com novos sons e abrindo espaço para eventos culturais na tentativa de tornar a noite campo-grandense mais rica.
O cliente não paga para entrar e quando paga é somente o valor do couvert artístico, que também é mais acessível ou opcional. Ao invés da ostentação na decoração e na fachada, são locais que chamam atenção justamente pelos ares de boteco, mais simples e democráticos.
Ninguém se arruma como se fosse para uma noite de gala e a cerveja está sempre gelada, mesmo sendo mais barata.
No bairro São Francisco, por exemplo, além do título de um dos estabelecimentos mais antigos da cidade, a Conveniência Vai ou Racha virou ponto de encontro de roqueiros, festas alternativas e até parada dos blocos de carnaval.
A necessidade de tornar o local mais que um ponto comercial acabou rendendo diante da concorrência, diz Irene Araújo dos Santos, a proprietária.
“Eu decidi abrir a conveniência para eventos, como uma forma de burlar a concorrência dos supermercados. Passamos a abrir as portas para receber festas de rock, teatro de rua e eventos alternativos. Meu lucro se tornou também a bilheteria”, diz.
O local já recebeu diversas festas do Comitê de Autodefesa das Mulheres da UFMS, edições do Sarobá e é onde o bloco do Teatro Imaginário Maracangalha se reúne depois do cortejo no Carnaval. Para participar na maioria destes eventos, o valor de entrada é no máximo R$ 5,00, e opcional.
Próximo do Vai ou Racha, no Bar da Valu até os dias de funcionamento são diferentes. Abre somente as sextas-feiras e domingos e a entrada varia de R$ 8,00 até R$ 15,00. Nas sextas-feiras, o gênero é o samba e os artistas convidados, tocam em temporadas de até um mês. Aos domingos, o Quarteto Samba Choro é que faz a batida da noite.
O ano de 2015 marcou a segunda inauguração do bar, que há dez anos surgiu junto com o bloco Cordão Valu, o mais querido dos foliões. Sócio, Jefferson Contar explica que a ideia inicial era justamente um espaço que até então não havia em Campo Grande.
A proposta continua sendo a mesma, para um público que, segundo ele, é conquistado aos poucos. “O bar nasceu junto com o bloco, como um local simples, acessível e uma programação diferente. Hoje em dia o que a gente quer é atrair a atenção do público para estes gêneros menos populares por aqui, com um foco menos comercial. Claro que dependemos do nosso lucro, mas nem se compara ao conceito de uma grande empresa capitalista”, brinca.
Dentre os eventos que o Bar Valu já recebeu, teve programação especial da Semana da Consciência Negra com debates, capoeira e outras atrações da cultura afro e até noite especial, ao som de Chico Buarque.
Outro velho de guerra entre os botecos de Campo Grande é o Bar Aguena em frente a Praça Aquidauana. Assim como no Vai ou Racha, por exemplo, a estética do bar relembra os velhos tempos do centro velho da cidade morena.
Até algum tempo atrás, nem cartão de pagamento era aceito no caixa, mas mesmo assim o bar caiu na graças dos jovens, ficou famoso pelo quibe e lota a calçada da esquina em frente a praça.
Inspiradas no clima boêmio da noite de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro, as amigas Natalie Budib e Aline Dias, também inauguraram o Bar Genuíno no Bairro Amambaí. Funcionando há pouco mais de um mês, com a proposta de se tornar um ponto cultural genuinamente brasileiro, o Bar já abriu 2016 com o primeiro grito de Carnaval do ano na cidade.
Natália conta que a proposta é justamente valorizar as origens da música brasileira em um espaço mais intimista. O bar fica em uma casa histórica de esquina, com pouco menos de 30 metros quadrados.
Aos sábados, tem o “Choro ao Por do Sol” e toca até música latina durante a semana. O couvert é democrático, R$ 3,00, mas também é opcional. No cardápio tem até caipirinha de garapa. Diferenciais que começam a chamar a atenção de um público que quer fugir da badalação.
“Minha intenção sempre foi fazer do bar também um ponto cultural, com um conceito mais brasileiro e um ambiente mais tranquilo. Nosso público ainda está em formação e tem clientes que procuram um pub mais calmo, para uma boa conversa entre amigos e longe da balada”, diz.
O publicitário Sandro Becker é frequentador confesso destes locais mais alternativos em Campo Grande. Mas ele acredita que uma mudança de hábitos dos campo-grandenses ainda depende de tempo.
“São locais fabulosos, com pessoas que não se preocupam com a aparência e sim com a essência. Noto que o campo-grandense ainda tem uma certa resistência com esses locais, mas nada que o tempo não resolva e mude a mentalidade das pessoas”, defende.
Para o estudante João Pedro Nascimento, o preço mais acessível é o principal diferencial desses pontos que conquistam espaço aos poucos.
“As pessoas estão buscando lugares onde possam beber bem com o dinheiro que tem, com cerveja barata e os donos dos bares estão percebendo isso. São lugares chamados por alguns de 'pé sujo', por concentrar pessoas mais descontraídas, que buscam diversões diferentes, e que, assim que como eu, querem simplesmente sentar em um lugar, ouvir uma musica deferente do que é oferecido na maioria dos bares da cidade”, conclui.