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Meio Ambiente

Além do que se vê: pecuaristas de MS transformam fazendas em recantos ecológicos

Propriedades com mais de 40 décadas conseguem associar pecuária, agricultura e turismo

Izabela Cavalcanti | 11/02/2023 07:05
Estância Mimosa, em Bonito, surgiu em 1997 (Foto: Lucas Mendes Ramos)
Estância Mimosa, em Bonito, surgiu em 1997 (Foto: Lucas Mendes Ramos)

Fazendas com décadas de existência têm contribuído significativamente com o turismo de Mato Grosso do Sul. Isso, porque pecuaristas viram muito além do que somente criar gado e plantar e decidiram transformar as propriedades em recantos ecológicos.

São histórias que passam de geração em geração. Foi assim com dois irmãos que começaram a ter lições de preservação do meio ambiente no “berço”, quando o pai adquiriu terras.

Em Miranda, a 208 km de Campo Grande, “nasceu” a Fazenda San Francisco, no ano de 1965. A identidade é em homenagem ao Santo São Francisco e à cidade da Califórnia, que recebe o mesmo nome, onde os pais de Roberto Coelho se casaram. Hélio Martins Coelho morreu aos 84 anos, em 2014, e a mãe Cynthia Jane Coelho morreu em 2022, aos 98 anos.

Roberto conta que, em 1965, o pai comprou uma área de 112 mil hectares. Depois, em 1975, dividiu para os filhos. A parte que sobrou para Hélio também foi dividida depois do falecimento. Desde então, a propriedade passou a ser gerenciada pelo protagonista da história.

Em 1995, a fazenda já começou a receber turistas, mas sem cobrar. Em 1998, viram uma oportunidade em aliar pecuária e o turismo.

O local tem 1.200 hectares de plantação de arroz e cerca de 3 mil cabeças de cria e engorda. Na verdade, foram os pássaros que levaram o turismo para a vida de Roberto. Em boa parte do ano, por cima da lavoura de arroz fica uma lâmina de água, juntando vários tipos de aves, como pássaros e tuiuiús.

Na época, os moradores de cidades próximas ficaram sabendo, bem como os pescadores que iam com as famílias e pediam para ver os pássaros pela facilidade de avistamento. “O pessoal gostava muito e isso despertou nossa atenção para fazer algo mais organizado e foi assim que nasceu o turismo”, lembra.

Foto aérea da fazenda San Francisco, em Miranda (Foto: Divulgação/San Francisco)
Foto aérea da fazenda San Francisco, em Miranda (Foto: Divulgação/San Francisco)

No começo era apenas sistema "day use", já a hotelaria começou a operar em 2012, com 18 apartamentos. As atrações do espaço turístico incluem passeio de chalana, safári e o corixo, - como se fosse um rio mais reservado -, além de cavalgada, canoagem e bicicleta para quem fica hospedado. No passeio noturno, é possível ver lobinho, coruja, onça-parda, anta, jaguatirica e até lobo guará. Por dia passam em média 90 pessoas.

Roberto Coelho na fazenda San Francisco (Foto: Arquivo pessoal)
Roberto Coelho na fazenda San Francisco (Foto: Arquivo pessoal)

Ainda de acordo com Roberto, existe a oportunidade de pescar piranha, uma experiência diferente e divertida para o turista.

“O turismo proporcionou trabalho e renda para as mulheres dos peões. Hoje em dia a gente tem camareira, temos cozinheiras. O turismo envolve 60 pessoas contando também com algumas pessoas no escritório”, disse.



“O turismo possibilitou o aumento de empregos na região, fomenta a economia, aumenta a visão da importância de preservar a fauna e a flora”, completou Coelho.

Ao longo do tempo, a equipe do pecuarista desenvolveu até uma técnica para evitar que as onças atacassem o rebanho. “A gente foi em busca de técnica de limpeza das invernadas que mantém as onças sem mexer tanto no rebanho.”

Roberto é casado com Elizabeth Prudêncio Coelho, de 70 anos, e tem quatro filhas. Todas envolvidas com o turismo. Andreia, de 32 anos, cuida do rebanho (Senepol, Nelore, cavalos Crioulos, búfalo Marruá, carneiros e ovelhas); Carolina, de 40 anos, cuida das finanças em geral; Roberta, de 35 anos, é responsável pelas reservas e também trabalha como guia e intérprete; e Cynthia, de 38 anos, ajuda na capacitação e treinamento do pessoal.

“Meu pai quis que eu desenvolvesse o turismo, ele teve uma visão de deixar a gente trabalhar nessa área. Nós temos uma interação entre pecuária, agricultura e o turismo”, finaliza.

Turistas alimentando jacaré na beira do rio (Foto: Divulgação/Fazenda San Francisco)
Turistas alimentando jacaré na beira do rio (Foto: Divulgação/Fazenda San Francisco)

Jardim e Bonito Em Jardim, a 236 km de Campo Grande, tem o Recanto Ecológico Rio da Prata. A fazenda, que hoje recebe o nome de Cabeceira do Prata, foi comprada pelo pai em 1979, com o objetivo de ser lazer da família e pecuária. Eduardo Coelho, de 66 anos, irmão de Roberto, é dono do local.

“O meu pai comprou e pôs em meu nome naquela época já como adiantamento de herança. Em 1994 ele me entregou a gestão da fazenda e busquei as novas fontes de renda, é uma linha que eu gosto muito que é mexer com o meio ambiente”, pontua.

Eduardo Folley Coelho, proprietário do Recanto Ecológico Rio da Prata (Foto: Arquivo Pessoal)
Eduardo Folley Coelho, proprietário do Recanto Ecológico Rio da Prata (Foto: Arquivo Pessoal)

Em 1995 o ecoturismo foi inserido na propriedade. “Para melhorar a renda da propriedade eu decidi entrar no ecoturismo, optei pelo day use que seria mais simples, para entender como funcionava o turismo. E deu certo. Continua sendo uma fazenda só que hoje a atividade econômica principal é o ecoturismo, representando 65% do faturamento da propriedade”, comemora.

A família teve uma grande conquista ambiental, que foi a criação oficial da Reserva Particular do Patrimônio Natural, em 1999, protegendo 295,0484 hectares (20% da área total da fazenda), incluindo toda a mata ciliar do Rio Olho D'Água, desde a sua nascente até quando ele desemboca no Rio da Prata.

A fazenda tem 1.050 hectares de pasto, tendo em torno de 1.600 cabeças de gado de corte e de leite, além de plantação de milhete.

Os turistas podem fazer flutuação, observação de aves, mergulho com cilindro e também cavalgada, com direito a almoço típico.

Mergulho no Recanto Ecológico Rio da Prata, em Jardim (Foto: Frank Portilho)
Mergulho no Recanto Ecológico Rio da Prata, em Jardim (Foto: Frank Portilho)

Eduardo era diretor de duas empresas, mas queria uma alternativa de vida mais tranquila. “Resolvi que eu ia viver dessa fazenda e eu tinha que aumentar a renda. Eu queria uma alternativa de vida mais suave, que é ter convívio com a natureza. O projeto deu certo, foi difícil nos dois primeiros anos até se consolidar, pois tudo que a gente fez foi sem financiamento”, explica.

A fazenda Cabeceira do Prata permitiu a estruturação de outros dois atrativos turísticos: a Estância Mimosa, em Bonito, e a Lagoa Misteriosa, em Jardim.

A Estância foi comprada em 1997 e depois de 1 ano deu a largada no turismo. O local oferece um circuito de trilha e cachoeira pelas matas ciliares do Rio Mimoso, em Bonito, a 297 km de Campo Grande.

“Me ofereceram para comprar a propriedade. Tem muitas cachoeiras bonitas e é um bom investimento imobiliário. Um lugar como Bonito tende a valorizar, para criar um atrativo turístico tem que ter recursos naturais”, ressalta Eduardo.

Na Estância Mimosa, em Bonito, é possível realizar um trecho do passeio em barco (Foto: Lucas Mendes Ramos)
Na Estância Mimosa, em Bonito, é possível realizar um trecho do passeio em barco (Foto: Lucas Mendes Ramos)

Já a Lagoa Misteriosa está localizada ao lado do Rio da Prata, onde são realizadas as atividades de mergulho com cilindro e flutuação.

Segundo o proprietário, a Lagoa foi comprada em 2005 e se tornou a primeira caverna com água licenciada no Brasil em 2010, sendo aberta para visitação em 2011. “Morreu o patriarca da família e resolveu vender para pagar os impostos e as dívidas do banco”, comenta brevemente.

“Com o turismo eu tive condições de formar duas filhas, poder pagar os estudos da minha filha. O turismo que me deu condições de criar a minha família bem. A geração de renda de uma pecuária convencional na época não me dava condições de pagar os estudos de uma delas em São Paulo. O ecoturismo é uma fonte alternativa muito importante para o meio rural. Por muito tempo o ecoturismo foi responsável por 80% da receita”, conclui.

A fazenda do Rio da Prata emprega 18 pessoas e a Estância Mimosa, 45 pessoas. Eduardo é casado com Simone, de 59 anos, e tem duas filhas, Luciana, de 35 anos, e Luiza, de 37 anos, que ajuda na parte ambiental e gerencia os pagamentos.

Mergulho com cilindro da Lagoa Misteriosa, em Jardim (Foto: Iago Bernardo)
Mergulho com cilindro da Lagoa Misteriosa, em Jardim (Foto: Iago Bernardo)

Gerações – Roberto e Eduardo são sobrinhos do Lúdio Martins Coelho, ex-prefeito de Campo Grande, de 1989 a 1992. Lúdio também foi senador por Mato Grosso do Sul e presidente do Banco Agrícola de Dourados. Faleceu aos 88 anos, em 2011.

Hélio e Cynthia também tiveram outros quatro filhos. Ele era dono de fazendas em Rio Brilhante, Jardim, Miranda e Aquidauana.

Extensão – O coronel Ângelo Rabelo, de 63 anos, mineiro de nascença e corumbaense de coração, é um exemplo de cuidado com a natureza. Sua história com o meio ambiente começa nos anos 80, aos 20 anos de idade.

Na época, ele chegou ao Pantanal com a Polícia Militar Ambiental tendo o objetivo de enfrentar a caça e combater o tráfico de animais silvestres. Em uma das operações, Rabelo levou um tiro no ombro direito, disparado por um dos participantes do grupo de traficantes de peles de jacarés, que atuava na região de Corumbá.

O coronel foi socorrido no meio da mata com hemorragia. Para isso, a equipe acendeu tochas para sinalizar uma pista de pouso para o helicóptero.

Devido ao tiro, ele perdeu o movimento do braço direito e foi se tratar no Hospital do Servidor Público, em São Paulo, por 2 anos. Precisou passar por dez cirurgias para recuperar os movimentos.

Depois, retornou a Corumbá para continuar a batalha. Depois de se aposentar viu que sua missão em lutar pelas causas ambientais não tinha cessado e, em 2002, criou o IHP (Instituto Homem Pantaneiro).

Coronel Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (Foto: Divulgação/IHP)
Coronel Ângelo Rabelo, presidente do Instituto Homem Pantaneiro (Foto: Divulgação/IHP)

Dentro do projeto há vários programas: Rede Amolar, Cabeceiras do Pantanal, Felinos Pantaneiros, Memorial do Homem Pantaneiro, Estratégias para Conservação da Natureza, Brigada Alto do Pantanal.

O mais recente é o Amolar Experience, criado há 3 anos. A proposta é viabilizar para que as pessoas possam conhecer a natureza e a potência do Pantanal, além de gerar renda para a comunidade local.

Rabelo tem como objetivo encurtar a distância tornando uma viagem encantadora. A Serra do Amolar fica a cerca de 6 horas de barco a partir de Corumbá, em distância, representa em torno de 250 km, devido às curvas que o Rio Paraguai faz. “Criamos um programa de turismo dentro das reservas da Serra do Amolar e buscamos parcerias para superar o maior desafio de todos, que é a distância. Nós fomos superando isso fazendo com que nossa viagem fosse uma viagem de encantamento no sentido de fazer entender toda a dinâmica do Pantanal”, explica.

Também existem comunidades vivendo naquela região, adaptadas à realidade de não ter o acesso para a cidade tão simplificado. Com o Amolar Experience, tem a oportunidade de conhecer como é a realidade daqueles que vivem no meio do nada, onde só tem água e vegetação.

O IHP tem parceria com algumas empresas, uma delas combina atividades do ecoturismo com interação com a comunidade local. O roteiro tem sete dias, começando por Corumbá. Em seguida, os turistas navegam por 5 horas pelo Rio Paraguai. Entre outras atividades inclusas estão: trilhas, safáris, passeios de caiaque.

“O Pantanal é esse misto de paisagem, vida silvestre, histórias. Eu sempre tive a certeza que a gente poderia implementar, além da pecuária e da pesca esportiva. O desafio é interiorizar o turismo no Pantanal superando o desafio do acesso”, finaliza Rabelo.

Uma das vistas da Serra do Amolar, em Corumbá (Foto: Divulgação/ IHP)
Uma das vistas da Serra do Amolar, em Corumbá (Foto: Divulgação/ IHP)

Integração - Mato Grosso do Sul é o estado com maior área destinada aos sistemas integrados na produção agropecuária. São mais de 3,1 milhões de hectares com ILPF (Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta) em diferentes configurações, mesclando dois ou três componentes de cultura no sistema produtivo. O estudo foi realizado em 2020 e divulgado pela Associação Rede ILPF. A informação foi divulgada pela Famasul, em agosto de 2022.

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