Há 4 décadas, Nereu Rios planta árvores como um sonhador
"No braço", ele faz trabalho de formiguinha mantendo viveiro e espalhando sementes nativas em expedições
Nereu Rios carrega no sobrenome o que tem profunda conexão com aquilo que acredita: reflorestar o mundo é plantar água e pode nos salvar. É também um trabalho de formiguinha que ele faz há mais de quatro décadas em Mato Grosso do Sul e rodando o Brasil.
Nascido em Dourados, mas morando em Campo Grande, tem 66 anos. Hoje se divide entre “cuidar de árvores como bebês” no viveiro Florescer do Cerrado, educação ambiental para crianças, e aventuras de 7 mil quilômetros país afora plantando mudas e trocando sementes nativas. Fora isso, ainda coordena trabalhos de ressocialização de presos no Estado.
Em tempos de desmatamento recorde e queimadas criminosas que fazem milhões de hectares verdes virarem cinzas, sente-se ainda mais entregue à santidade que é fazer brotar em vez de derrubar e botar fogo. “Sou um abençoado pelas árvores”, diz.
Aprendeu muito do que sabe nas expedições que começaram nos anos 1980. Encontrou sertanejos que tratam bem a terra e indígenas que transmitiram o que cada planta precisa. "Plantar não é só colocar lá e deixar, tem que conduzir. Cada espécie tem um manejo diferente. Tem que fazer calda bordalesa para não adoecerem e regar conforme pede a espécie", diz.
Voltando a falar de rios, explica de forma simples a relação entre águas e árvores: "digo para as crianças: os nossos cílios não protegem nossos olhos? Do mesmo jeito, as matas ciliares têm árvores que protegem os rios". Berços d'água no Cerrado secando como nunca e assoreando, são respostas à falta delas e "a um lucro que é para poucos", completa.
Virando monocultura - Ninguém patrocina as expedições que Nereu faz ao lado da esposa. Esse trabalho é voluntário, "feito no braço", segundo ele.
Nessas aventuras, pegam sementes de manduvi diretamente do Pantanal de Mato Grosso do Sul e plantam aos pés da Cachoeira do Rosário, em Pirenópolis (GO), por exemplo. Este ano, o casal vai passar pela Bahia, Tocantins, Minas Gerais e Mato Grosso, deixando mudas como as de ipês roxos. e depois voltar para casa.
No caminho, nem tudo é troca e plantio. Também se decepcionam ao verem mudanças.
"Algumas sementes estão em 'extinção' em alguns locais. Onde a cada ano a gente coletava, hoje está virando monocultura", conta.
Ele cita o sumiço de peroba-cetim e árvore "orelha-de-elefante". "Você não acha. Há em poucos viveiros nativos mantidos por ONGs", continua.
No próprio Estado, compara como era e como está o Córrego Laranja Doce e o entorno, em Dourados.
"Era uma área cheia de peroba (uma madeira nobre), com águas caudalosas e cheias de peixes. Virou rede de esgoto". Nereu sabe porque viveu a infância na cidade. "Assistimos abraçados derrubarem uma espécie que levou 30 anos para produzir", lembra.
"Em oito minutos se acaba com uma árvore que levou décadas para ganhar altura e dar frutos", se indigna.
Fé nas árvores - Mas se alguém assim não acreditar que tem jeito, quem vai acreditar? Apelidos como ecochato e o negacionismo climático não pegam. Nereu prefere ser "sonhador que acredita que as árvores vão salvar o mundo”, insiste.
Nem faz ideia de quantas árvores já plantou, cuidou ou doou. A certeza é que já fez mais do que uma pessoa sozinha pensa que é possível.
Só no Parque das Nações Indígenas plantou mais de 50 mil árvores em 1998 e depois voltou para criar um corredor de ipês-brancos, num trabalho com estudantes de uma escola de Campo Grande. Já no viveiro Florescer do Cerrado, tem hoje entre 10 e 15 mil mudas. De resto, o melhor é perder a conta mesmo.
Nereu também abraçou o viveiro da concessionária de água da Capital, que produz para reflorestar as margens dos córregos que abastecem a cidade. Faz doações para quem o procura. Cobra ações de manejo para as árvores existentes. Cobra políticas de proteção aos recursos naturais e punições bem mais rigorosas.
Mesmo que a coisa só piore, ele está convicto. "Eu quero morrer acreditando que é possível. Vou plantando água, condomínio de pássaros. Quero morrer plantando muda".
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