Para pesquisadores, lei de proteção do Pantanal é necessária e no momento certo
Durante fórum nesta quinta-feira, pesquisadores destacaram avanço de exploração na região
Durante o fórum Pontes Pantaneiras, que ocorre até sexta-feira (18) no Palácio Popular da Cultura, em Campo Grande, pesquisadores têm afirmado que esperam que a legislação de proteção ao Pantanal (Lei do Pantanal) seja aprovada em Mato Grosso do Sul. No primeiro dia, o governador, Eduardo Riedel (PSDB), comentou que o encontro seria um norteador para a definição da lei.
Nesta quinta-feira (17), ao Campo Grande News, especialistas têm apontado que a falta de regulamentação sobre o uso do solo pantaneiro, bem como o avanço da exploração - sobretudo na pecuária - na região, têm acendido alertas para o bioma, que sofreu nos últimos anos índices recordes de desmatamento e incêndios florestais.
O professor e pesquisador da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), José Sabino, entende que, mesmo com divergências políticas, é preciso se unir em prol da preservação pantaneira.
Um evento desse porte, com múltiplos atores, pode congregar conhecimento que vai ser o substrato para a legislação. Então, esse é um ponto positivo. Agora, a correlação de forças é um outro ponto - forças políticas ou econômicas, por exemplo”, destaca Sabino.
Sabino avalia que a gestão Eduardo Riedel (PSDB), que possui políticas voltadas para o agronegócio, precisou se mobilizar pela legislação depois que a falta da mesma se tornou pauta nacional. “Isso não é um ataque, é uma constatação. Ele [Riedel] tem posições que são muito atreladas ao pessoal que usa a terra, no sentido das grandes propriedades”.
O Governo Estadual decretou, recentemente, suspensão de desmatamento de vegetação no Pantanal. Foi anunciado também que um projeto de lei é elaborado para que seja possível o uso sustentável do bioma, o menor dos seis brasileiros, com 150.988 km², dos quais 64,5% situam-se no Estado, e considerado a maior área úmida contínua do mundo.
A decisão de suspender a concessão de licenças e análise até mesmo das que já estavam em curso veio depois que o governo recebeu recomendação de promotores ambientais do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e nota técnica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima sugerindo resolução federal sobre o tema.
“Antes, não se falava em suspender as licenças de supressão de vegetação. Isso então mostra, de certa forma, que a gente precisa pressionar. Independentemente do alinhamento, a gente pode ser adversário político de um ou de outro, mas há um estado democrático de direito que demanda por isso.”
Sabino observa que o Ministério do Meio Ambiente - hoje liderado pela ministra Marina Silva - tem atuado para frear determinadas características da produção em território pantaneiro.
O pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Walfrido Moraes Tomas ressalta que o recorde de incêndios em 2020 foi um “extremo climático”, fenômenos que têm se intensificado com o passar dos anos, conforme reportagem publicada pelo Campo Grande News.
“Uma combinação de fatores climáticos levou àquilo e causou impacto em todo mundo. De modo geral, as atividades econômicas do Pantanal têm sido reconhecidas como sustentáveis até esse ponto. Mas existe um movimento de intensificar a produção pecuária, por exemplo. Isso tem o potencial de ganhar uma escala muito grande, já que a pecuária ocupa 93% do bioma.”
Então, a gente tem que estabelecer critérios para manter essa pecuária, que é sustentável até hoje, como sustentável. Ser reconhecida como sustentável e ser valorizada como sustentável. A preocupação no Pantanal hoje é a extensão da pecuária, essa é a maior preocupação.”
Ele observa que outros eventos climáticos extremos, como incêndios em larga escala, podem suprimir ainda mais a vegetação nativa, bem como a atuação humana também pode ter este efeito. “Qualquer coisa que aconteça nessa bacia afeta o Pantanal. Barragem de rios, drenagens, erosão de solo, assoreamento de rios e poluição dos rios que drenam para dentro do Pantanal. Essas coisas são sérias porque afetam de uma forma sistêmica o bioma”.
A pesquisadora em Antropologia pela UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Alessandra Guató, ressalta que em momentos de incêndio, ONGs e instituições internacionais apoiaram na proteção do bioma e que é preciso avançar em políticas públicas.
Nascida em território indígena no município de Barão de Melgaço (MT), ela relata que tem a percepção de que os dois estados ainda são um só, já que possui família em Mato Grosso do Sul e que mora na divisa entre os dois territórios - que dividem um mesmo bioma. “Eu como indígena guató, na minha concepção, o Pantanal todo é território igual. Então, por isso que eu penso assim”.
Ela comenta sobre o Estatuto do Pantanal, discutido em Mato Grosso, que poderá influenciar no bioma como um todo. “Precisamos ver como isso vai se desenvolver. Eu entendo que os políticos têm que ser ator principal também, mas também quem mora ali - ribeirinhos, indígenas, quilombolas precisam fazer parte dessa discussão também, e os fazendeiros também”.
Coordenadora do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), Cristina Tófoli explica que o fórum tem o propósito principal de boas iniciativas e ações que existem no Pantanal, tanto na cooperação quanto na biodiversidade. Ela representa uma das instituições organizadoras do evento.
“Nós precisamos de diálogos, criando um aumento na interação entre os setores da sociedade. Essa é a essência. A gente pensou o fórum um ano atrás sem nenhuma relação com qualquer turbulência legislativa ou política.”
Apesar de ressaltar que o Pontes Pantaneiras não tem inferência nenhuma na legislação local, ela entende que o fomento ao diálogo pode ser um dos caminhos para essa resolução.
O diretor da ONG (Organização Não-Governamental) Ecoa (Ecologia e Ação), Alcides Faria, avalia que o fórum Pontes Pantaneiras “veio na hora certa”. Segundo ele, o bioma tem a atenção internacional, o que facilita a criação de uma legislação. “O Pantanal hoje tem atenção do mundo, o que é extremamente favorável para que se construa políticas apropriadas com relação à legislação”.
“Mas que também se tenha investimentos. Investimentos em áreas como turismo, uma área que gera muito trabalho e renda, e de baixo impacto sustentável, se bem feito.”
Em relação ao atual momento político do Brasil e Estado, Faria avalia que tem sido um “respiro” para o meio ambiente, por meio de diálogos que têm sido feitos com os governos locais, estaduais e o Governo Federal, por meio de seus ministérios. “Essa construção de políticas, ela será muito mais vigorosa com certeza. A gente não tem concordância com o que existe, mas nós estamos procurando estabelecer rumos corretos”.
Pontes Pantaneiras - Pesquisador da Embrapa, Walfrido Moraes avalia que o evento estabelece pontes entre diversos setores interessados no Pantanal, de forma sustentável. “O nome do evento é Fórum Pontes Pantaneiras, então é nesse sentido de trazer para o mesmo espaço de diálogo e discussão setores que estão relacionados com o meio ambiente, a produção pecuária, comunidades tradicionais, arte, cultura, culinária, etc".
“Mas também com essa visão do que será o Pantanal daqui para frente. Para a gente atingir isso, diferentes setores têm que ter diálogo, pontes estabelecidas. Esse é o primeiro evento, que a gente busca esse sentido de trazer a comunidade, a sociedade em geral, para discutir o Pantanal de uma forma mais madura."
Ele ressalta que pesquisas em geral têm identificado que o Pantanal possui bom estado de conservação. Segundo ele, menos de aproximadamente 15% das paisagens foram alteradas até agora. Além disso, atividades econômicas desenvolvidas até hoje, especialmente pecuária, que ocupa 93% do bioma.
“A pesca e turismo são totalmente compatíveis com a conservação, tanto é que o Pantanal não tem perdido espécies e está bem conservado e com os ecossistemas ainda mantidos, apesar dos incêndios catastróficos de 2020”, avaliou.
O pesquisador José Sabino avalia a importância em pautar o bioma na agenda de autoridades e sociedade, com uma “articulação multissetorial”. "Vivemos numa sociedade capitalista e o poder econômico tem muita força e influência política. Esperamos que a sociedade tenha maturidade para tratar o Pantanal com essa multiplicidade".
Docente de Biologia há três décadas, Sabino comenta que “a conservação da natureza não se faz com apenas com os biólogos”, mas sim “com o conjunto da sociedade e com os diferentes atores”, o que inclui os setores da agropecuária, turismo, bem como o Poder Público, além da própria academia.
Não é só pensar no fluxo de caixa da propriedade - e isso é importante, evidentemente, você não faz sustentabilidade, se não tiver o pilar econômico - mas tem de ter o social e o ambiental congregados, e não é colocar um em cima do outro. Não há solução simples para problemas complexos”, ressalta o pesquisador José Sabino.
Ele explica que o Brasil é a nação com maior biodiversidade do mundo, que a Amazônia tem forte papel na regulação climática, mas que o bioma pantaneiro é a “cereja do bolo”. “Na Amazônia, não se vê muito da biodiversidade. Se vê a pujança da floresta, mas a fauna, por exemplo, é difícil, tem que ser especialista. Já o Pantanal é quase um zoológico natural".
"Você vê os bichos, as cenas acontecendo, os processos de cheia, então isso dá ao Pantanal um componente de visibilidade e de sensibilização da sociedade, embora ele seja muito pequeno em relação ao tamanho do Brasil - o Pantanal tem 2% da área brasileira. É uma área úmida muito pujante, embora relativamente pequena, mas muito importante."
Ele comenta que o Pantanal é exemplo de uso sustentável da natureza, já que por aproximadamente dois séculos se usa o bioma para a pecuária. “O problema é que isso está mudando e essa mudança é derivada de uma mudança cultural de quem ocupa o Pantanal”.
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