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Política

Juíza autoriza indígena alfabetizado em língua materna concorrer a vereador

Além da letra da lei, juíza abordou a questão sob o contexto cultural e a necessidade de representatividade

Por Jhefferson Gamarra | 13/09/2024 15:45
Candidato indígena Leandro Araújo Teixeira (PL) que concorre a vereador em Aral Moreira (Foto: Divulgação)
Candidato indígena Leandro Araújo Teixeira (PL) que concorre a vereador em Aral Moreira (Foto: Divulgação)

Em uma decisão marcante para as eleições municipais de 2024, a juíza Thielly Dias de Alencar Pitthan, da 19ª Zona Eleitoral, deferiu o registro da candidatura do indígena Leandro Araújo Teixeira (PL) para o cargo de vereador em Aral Moreira, a 377 quilômetros de Campo Grande. A decisão desconsiderou a impugnação feita pelo Ministério Público Eleitoral, que havia questionado a elegibilidade do candidato com base na alegada falta de alfabetização formal.

O candidato, que é membro da Aldeia Guassuty, havia sido impugnado pelo Ministério Público sob a alegação de que não cumpria o requisito de alfabetização exigido pela legislação eleitoral brasileira. De acordo com a Lei Complementar nº 64/1990 e a Constituição Federal, candidatos a cargos eletivos devem comprovar um nível mínimo de alfabetização. O Ministério Público argumentou que o indígena não apresentou a documentação de escolaridade necessária e que o teste de alfabetização realizado em português foi insatisfatório. (veja abaixo)

Teste de alfabetização aplicado ao candidato indígena (Imagem: Reprodução)
Teste de alfabetização aplicado ao candidato indígena (Imagem: Reprodução)

A defesa do candidato, no entanto, sustentou que a exigência de alfabetização em português para um candidato indígena não considera a realidade cultural e linguística dos povos originários. O candidato, conforme a defesa, foi alfabetizado em sua língua materna e a utiliza no seu cotidiano e em processos de aprendizado, o que deveria ser considerado como evidência suficiente de sua capacidade de leitura e escrita.

Ao analisar a questão, a juíza Thielly Dias de Alencar Pitthan abordou a questão sob uma perspectiva mais ampla, considerando não apenas a letra da lei, mas também o contexto cultural e a necessidade de representatividade política. Ela destacou a importância de garantir a inclusão de candidatos de diversas origens culturais e a pluralidade na composição legislativa.

"O candidato é indígena e reside na Aldeia Guassuty, localizada no município de Aral Moreira. Ele foi alfabetizado na língua materna e certamente a utiliza em sua convivência social, o que não pode ser desconsiderado, especialmente diante da necessidade de assegurar pluralidade na composição legislativa e a maior representatividade possível. Afinal, nosso país é plural e nossa fronteira, de Ponta Porã, também”, iniciou a juíza.

A magistrada destacou que exigir fluência em português como critério único para a candidatura seria uma forma de perpetuar a exclusão histórica dos povos indígenas. “É pública e notória a histórica inobservância aos direitos indígenas, povos originários, cujos costumes e tradições merecem respeito e preservação. Exigir que o candidato indígena seja fluente e letrado na língua portuguesa é contribuir para a perpetuação deste cenário de violências e de violações”, observou Pitthan.

Ela ressaltou que, apesar da língua portuguesa ser o idioma oficial do país, o Brasil é um país com uma rica diversidade linguística e cultural. A juíza comparou a situação brasileira com o exemplo do Paraguai, que preserva o guarani como idioma oficial ao lado do espanhol, evidenciando a necessidade de um tratamento mais inclusivo e respeitoso com as línguas e culturas indígenas.

“É lamentável que pós colonização, tenhamos simplesmente ignorado nossas raízes e adotado apenas o idioma do povo colonizador como único oficial, ao contrário do nosso país vizinho, o Paraguai, que, juntamente com o espanhol, manteve o guarani como idioma oficial. Aliás, Aral Moreira está localizado na faixa de fronteira com o Paraguai, região em que os três idiomas - português, espanhol e guarani - são comumente utilizados. A pluralidade é o traço característico desta fronteira, que também deve ser observada por esta Justiça especializada na análise dos pleitos de registro de candidaturas”, pontuou.

Por fim, ao deferir a candidatura para que o candidato indígena concorra a uma vaga no legislativo, a juíza criticou o teste de alfabetização aplicado e pontuou que mesmo estando em língua portuguesa, o candidato conseguiu escrever palavras compreensíveis.

"O teste de alfabetização foi aplicado em língua portuguesa, da qual o requerente não é fluente. Mesmo assim, extrai-se de sua tentativa de escrita algumas palavras perfeitamente compreensíveis, tais como: 'cargo', 'mandato' e 'liderança'. Desse modo, o candidato está no gozo pleno de sua capacidade eleitoral passiva e apto, portanto, a exercer seu direito de ser votado e, consequentemente, conferir maior representatividade ao povo originário que integra," concluiu a juíza.

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