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Política

Posição da bancada de MS sobre anistia reflete polarização do país

Saúde de Bolsonaro abala direita e segura articulação para forçar Hugo Motta a colocar projeto na pauta

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 14/04/2025 17:00
Posição da bancada de MS sobre anistia reflete polarização do país
Camila, Vander, Dagoberto e Resende, contra a anistia.Ovando, Pollon, Rodolfo e Beto, favoráveis. (Foto: Reprodução)

Com um placar de quatro a quatro na Câmara dos Deputados, um a favor, outro contra e um terceiro em cima do muro no Senado, a posição da bancada do Mato Grosso do Sul em relação a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro reflete a resiliência da polarização política no país, fenômeno por trás da probabilidade de uma nova guerra entre os poderes da República.

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A bancada de Mato Grosso do Sul está dividida sobre a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, refletindo a polarização política no Brasil. Na Câmara, quatro deputados são a favor e quatro contra, enquanto no Senado, um é a favor, outro contra e um indeciso. A direita, que tem maioria, acredita que a anistia será aprovada, mas especialistas dizem que o STF pode barrar a lei por inconstitucionalidade. A anistia é vista como uma pauta artificial da extrema direita, sem apoio popular, e comparada à impunidade da Lei da Anistia de 1979. Críticos alertam que a anistia pode enfraquecer a democracia.

Caso o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) coloque em pauta o projeto, como querem os partidos de direita _ que já têm votos suficientes para determinar urgência na tramitação _ é provável que ele seja aprovado no Congresso por expressiva maioria. Assim como decisões que abalaram a relação entre os poderes em 2023 e 2024, como marco temporal e a farra das emendas parlamentares, é provável que o Supremo Tribunal Federal (STF) barre uma eventual nova lei por vícios de constitucionalidade, abrindo uma nova temporada de confronto institucional com o Legislativo.

Na avaliação de juristas, a última palavra sobre uma eventual aprovação da anistia cabe ao STF, que dificilmente deixaria passar uma lei concedendo perdão antecipado a um plano de atentado contra a democracia, ainda mais sem que o julgamento de todos os culpados por tramar um golpe de Estado com o uso premeditado de violência, tenha sequer sido concluído.

A articulação pela anistia seria intensificada nessa segunda-feira, mas acabou sendo suspensa em função do estado de saúde de Bolsonaro, que no domingo passou por uma delicada cirurgia de 12 horas _ a sétima desde que foi ferido por uma facada durante a campanha de 2018 _ para desobstruir o sistema digestivo. A saúde do ex-presidente é que determinará a pauta da política da direita nos próximos dias.

A bancada de deputados de Mato Grosso do Sul está dividida. São a favor da anistia os dois deputados do PL, Marcos Pollon e Rodolfo Nogueira, o do PP, Luiz Ovando e, na contramão da cúpula nacional, da bancada regional do PSDB e de costas para sua origem política familiar, o deputado Beto Pereira. O pai de Beto, o ex-deputado e ex-senador Válter Pereira foi um combativo opositor aos militares golpistas de 1964 que “ressuscitaram” na geração que tentou a ruptura em 2022 e agora sonham com a estranha anistia.

Os tucanos têm três deputados na Câmara, a maior bancada do Estado. Dois deles, Dagoberto Nogueira e Geraldo Resende, são contra a anistia. “Meu posicionamento é de respeito à democracia e à Constituição. Aqueles que planejaram, financiaram e lideraram os atos de 8 de janeiro devem ser punidos com todo o rigor da lei. Ao mesmo tempo, entendo que aqueles que participaram dos atos, muitas vezes levados por desinformação ou pelo calor do momento, devem responder por seus atos, mas dentro de um tratamento proporcional, equilibrado e justo, mas sem jamais confundir compreensão com impunidade”, disse Resende ao Campo Grande News. Procurado, Beto Pereira não quis falar.

No PT, apesar da confusa declaração da ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffman sugerindo _ mas depois recuando _ que o governo estaria aberto à uma negociação sobre modulação de penas aos réus pelos atos do 8 de janeiro de 2023, os dois deputados do Mato Grosso do Sul, Vander Loubet e Camila Jara já deixaram claro que são contra. Na hipótese de ser aprovado na Câmara, o projeto segue para o Senado, onde a direita também tem maioria segura. A bancada de Mato Grosso do Sul se divide novamente: Soraya Thronicke (Podemos) é contra, Tereza Cristina (PP) é a favor e Nelsinho Trad (PSD) está em cima do muro.

Posição da bancada de MS sobre anistia reflete polarização do país
Soraya é contra, Teresa a favor e Nelsinho indeciso. (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

A extrema direita sul-mato-grossense confia na força do Centrão e do bolsonarismo na Câmara, como afirma o deputado armamentista Marcos Pollon. “Existem votos mais que suficientes para aprovar a anistia. Creio, sim, que ela será pautada e aprovada na Câmara e no Senado”. Pelas contas da direita, apenas o grupo que gravita em torno da poderosa Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que tem 324 dos 513 deputados e 50 dos 81 senadores filiados, onde se enfileiram as bancadas ruralista, evangélica e da bala, aprovaria com tranquilidade o projeto da anistia. “Sou a favor, primeiro, por uma questão humanitária. Ainda que se considere que aquelas pessoas causaram algum dano, o crime é de dano e na pior das hipóteses a pena seria convertida em cesta básica. As penas aplicadas são completamente desarrazoadas e não há a impossibilidade de se pretender dar um golpe com pipoqueiro, picolezeiro e vendedor de doce de algodão. Não tem o menor cabimento. É como pretender atirar segurando uma maçã. É a impossibilidade do objeto de realizar o delito supostamente pretendido. O foro competente para julgar essas pessoas jamais deveria ser o Supremo. O Estado de Direito impõe o devido processo legal, as prerrogativas dos advogados e mais que isso o contraditório e a ampla defesa, o que não foi considerado nesse julgamento show”, afirma Pollon. O movimento golpista, na verdade, começou logo depois do resultado do segundo turno da eleição, mas intensificou-se entre 12 e 26 de dezembro, prologando-se até o 8 de janeiro. O plano Punhal Verde e Amarelo está longe de um ato de picolezeiros.

Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Campo Grande News, a anistia é uma pauta artificial criada pela extrema direita para favorecer o ex-presidente, mas não tem aderência da maioria da população e nem nexo com a realidade da pauta que vem sendo seguida pelo Supremo Tribunal Federal, que tomaria decisão semelhante ao caso envolvendo o ex-deputado bolsonarista Daniel Silveira cujo indulto foi anulado por ele ter sido condenado por atacar a democracia. Na sexta-feira a Corte publicou o acórdão sobre a manifestação unanime dos cinco ministros da Primeira Turma pela abertura da ação penal contra Bolsonaro e mais sete integrantes do chamado “núcleo crucial” da tentativa de golpe, o que significa que os suspeitos são formalmente réus e que se inicia a fase de instrução do processo. A sentença deve ser conhecida entre agosto e setembro.

O procurador de Justiça de São Paulo, Roberto Levianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac) afirma que se aprovar uma nova lei de anistia o Congresso estará “afrontando o princípio da separação dos poderes”, uma vez que a avaliação sobre a anistia é competência do STF. “A última palavra sobre a anistia, se é certa ou errada, não é do Congresso. Toda lesão ao estado democrático de direito tem de ser submetido ao judiciário por se tratar de bem jurídico maior”, sustenta o procurador. Ele avalia que a direita força a barra em cima de uma narrativa equivocada _ como se os golpistas estivessem sofrendo perseguição política _, comparando absurdamente o devido processo legal aberto com as investigações da Polícia Federal no 8 de janeiro de 2023 com os episódios que deram na Lei da Anistia de 1979, esta resultado de um pacto para equacionar os conflitos dos anos de chumbo. “Pesquisas de opinião mostram que sociedade não está tendo boa percepção sobre eventual perdão a quem atentou contra o Estado Democrático de Direito. Ela entende que concessão de anistia significa impunidade”.

O advogado Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, o mais antigo do país, fundado por ele em 1979, não tem dúvidas sobre a inconstitucionalidade da anistia. Ele alerta, no entanto, que o projeto é filhote da impunidade garantida a militares que torturaram, mataram e sumiram com corpos de oponentes da ditadura, mas acabaram beneficiados pela lei de 1979 que, na sua opinião, foi mais uma auto-anistia do que um pacto pela pacificação. “Na Argentina tem mais de quatro mil militares e policiais condenados (lá um dos ditadores, o general Jorge Rafael Vidella, condenado, morreu na prisão). No Brasil nem o cabo da guarda foi punido. O máximo que se chegou foi a uma declaração de que Ustra (coronel Carlos Brilhante Ustra, já falecido) é um torturador. Os que cometeram crimes deveriam ter sido punidos exemplarmente. É por isso que ressurgem os atentados contra o Estado Democrático de Direito. Nossa democracia é capenga”.

As críticas mais duras são contra os golpistas, mas o ativista não alivia e sociedade _ “que assiste de braços cruzados a atuação do Supremo” _ e nem o governo, que se diz de esquerda mas fala em negociar penas quando, na sua opinião, deveria estar exigindo a aplicação da lei. “Os bolsonaristas querem criar um fato como essas bobagens da Gleisi. Mas ela está expressando o pensamento do Lula. A anistia a quem nem sequer foi condenado é um absurdo, uma excrescência jurídica. Que estúpida! Não se negocia nada, apenas se aplica a lei. Negociar põe em risco a consolidação de um processo democrático que até agora não aconteceu”.

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