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A intenção e o gesto: água como desafio socioambiental

Perci Coelho de Souza (*) | 21/03/2023 09:00

Refletir sobre a água no seu dia é, antes de tudo, propor ir além das intenções. É construirmos não apenas uma “narrativa”, mas sim, uma nova práxis socioambientalista para humanidade.

Em primeiro lugar, é preciso questionar radicalmente o modelo de desenvolvimento dominante que vem subordinando não só o ser humano, mas a natureza aos interesses do sistema financeiro. É preciso rever nossa perspectiva sobre o que é a água em si e para si, seja ela de superfície, aérea ou de aquífero.

Aos olhos do capital, água é simplesmente uma mercadoria. Um bem que libera o potencial de acumulação de outras mercadorias de valor agregado. Deste ponto de vista, a água é a um recurso indispensável para se acessar os superlucros da era do capital fetiche financeirizado.

Em contradição, para a maioria da população mundial, água é sinônimo de vida e não pode ser reduzida a uma função mercantil. Não pode ser esterilizada da vida que nela contém.

Na última década do século passado, os povos de Bolívia, Peru e Equador cunharam em suas constituições de Estado a expressão Pachamama como um fundamento do direito difuso de bens/entidades que não podem ser privatizados.

Por esse princípio, os rios não são objetos. Os fluxos naturais das águas são seres vivos que se alimentam de água para cumprirem sua missão eterna de fazer circular a vida tanto no planeta como um todo, quanto dentro de nós como seres pertencentes à essa entidade maior que é a Pachamama. Só preservando a Pachamama poderemos alcançar, como humanidade, o bem viver.

Desse outro ponto de vista, a água é a objetivação de nossa conexão com a natureza. Ela é o elemento símbolo do resgate da vida em oposição ao uso mercantil que degrada a natureza.

Sintetizando as duas teses, propomos que é preciso encontrarmos um caminho em direção à nossa sobrevivência como parte da natureza. O gesto é a luta socioambientalista pelo controle dos meios que barram a sanha do capital.

É preciso potencializar o controle social da mineração, do agronegócio, do hidronegócio e sobretudo nas grandes cidades, da especulação imobiliária.

É urgente que façamos, no cotidiano, um gesto de luta pela preservação da água. Como, por exemplo, no resgate socioambiental de cada bacia hidrográfica. Pois essas bacias são portadoras de um direito difuso que deve ser estruturante das demais políticas públicas e sociais.

As mudanças climáticas são de fato uma nova determinação transnacional que se impõe, mas é preciso associar esse fato  à questão social.

Em 2023 mais uma “tragédia anunciada” no litoral norte de São Paulo. Esta notícia explicitou o que já se sabia. Foram os trabalhadores moradores das áreas de risco que morreram, e não nos condomínios de luxo.

No Distrito Federal existem, as Aris - Áreas de Relevante Interesse Social com grande concentração de pessoas em situação de vulnerabilidade onde o acesso à água potável e ao saneamento básico é precário. Nos meses de chuva, as ruas cedem e as enxurradas levam os poucos pertences dessa população e os sonhos de uma moradia digna.

De acordo com o IBGE, em 2019, mais de 11 milhões de pessoas viviam nesses locais em todo o país. O acesso à água potável era garantido em apenas 69,3% dos domicílios (caracterizados como Aglomerados Subnormais) e somente 23,1% contavam com rede de esgoto.

É preciso investir em infraestrutura e em políticas públicas que promovam a universalização do acesso ao saneamento básico e equipamentos coletivos em todas as regiões do país, especialmente nas áreas mais vulneráveis. Enfim, é preciso mais gestos que palavras.

(*) Perci Coelho de Souza é professor da Universidade de Brasília.

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