A relevância da Alfabetização em Saúde Mental
No cenário atual, a educação socioemocional é reconhecida como um pilar fundamental para o desenvolvimento integral dos alunos. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) não só reforça a importância dessa abordagem, mas também ressalta sua essencialidade na promoção de um crescimento equilibrado dos estudantes.
A educação socioemocional vai além de ser apenas uma diretriz educacional; ela é um investimento estratégico com implicações de longo alcance. Como destacado pelo economista ganhador do Prêmio Nobel, James Heckman, o cultivo de habilidades socioemocionais desde a primeira infância é um capital de grande valor, com retorno econômico substancial.
Heckman evidencia que as competências socioemocionais são tão críticas quanto as habilidades cognitivas para o sucesso na vida adulta, e seu desenvolvimento precoce pode ser um forte preditor de melhores resultados educacionais, saúde, empregabilidade e menores taxas de criminalidade. Portanto, investir em programas que promovam essas habilidades desde os primeiros anos não é apenas benéfico para o indivíduo, mas também para a sociedade, gerando economia de recursos e fomentando um ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento socioeconômico.
Para ilustrar a eficácia dos programas de educação socioemocional, destaca-se o estudo histórico do Projeto Perry Preschool. Iniciado nos anos 1960 em Ypsilanti, Michigan, EUA, este projeto pioneiro proporcionou educação pré-escolar de alta qualidade a crianças de famílias de baixa renda. Divididas em dois grupos, uma parte das crianças participou da pré-escola Perry dos 3 aos 5 anos, enquanto o grupo de controle não recebeu essa intervenção.
O acompanhamento dessas crianças, que se estende até os dias atuais, revelou resultados notáveis: aqueles que participaram do programa não só alcançaram melhores resultados acadêmicos, mas também demonstraram menores índices de criminalidade e maior estabilidade econômica na vida adulta, com impactos positivos até a segunda geração. Este estudo sublinha que o investimento precoce em educação de qualidade, incluindo a alfabetização em saúde mental, pode gerar benefícios significativos e duradouros, repercutindo positivamente nas gerações subsequentes.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), distúrbios emocionais e comportamentais afetam 1 em cada 5 crianças globalmente. Essas condições impactam negativamente seu desempenho acadêmico, aumentando os riscos de baixo rendimento, evasão escolar, abuso de substâncias, envolvimento criminal e futuras instabilidades profissionais.
Esta estatística reitera o papel insubstituível da escola na detecção e amparo de alunos em situações de vulnerabilidade, visando formar adultos emocional e mentalmente saudáveis. Educadores preparados no campo da saúde mental não só evitam situações críticas em ambiente escolar, mas são essenciais na promoção de espaços educacionais saudáveis e construtivos. Ao receberem capacitação adequada, os educadores tornam-se aptos a reconhecer alterações comportamentais precocemente, intervindo de forma proativa e assegurando o bem-estar e progresso acadêmico dos estudantes.
Em uma perspectiva global, instituições renomadas como a OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) têm enfatizado a imperatividade do alfabetização/letramento em saúde mental no universo educacional. A abordagem vai além da simples identificação de problemas neurodesenvolvimentais, englobando a compreensão de fatores influenciadores do desenvolvimento infantil e estratégias para a criação de ambientes educativos positivos.
A despeito da importância, muitos programas atualmente voltam-se predominantemente para adolescentes, deixando um vácuo no atendimento aos alunos do ensino fundamental I e II. Contudo, com as novas diretrizes propostas pela OMS e OPAS em 2022, vislumbra-se uma mudança de paradigma, que ressalta a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e abrangente.
Para que a Alfabetização em Saúde Mental alcance seu potencial transformador, políticas educacionais devem não apenas reconhecer, mas também valorizar a educação integral, como vem sendo delineado pela BNCC. Essa valorização passa, invariavelmente, pela capacitação contínua dos professores. É imprescindível que os educadores estejam equipados não só com o conhecimento, mas também com a prática das habilidades socioemocionais.
Como modelos a serem observados diariamente em sala de aula, os professores devem exibir e fomentar essas competências, conduzindo os alunos não apenas academicamente, mas também no desenvolvimento emocional e social. Além disso, considerando que as crianças passam mais de 15 mil horas na escola do ensino fundamental ao ensino médio, a escola se configura como um dos principais ambientes de socialização e aprendizado na vida de um indivíduo. Esse tempo substancial sublinha a responsabilidade do sistema educacional em fornecer não apenas educação de qualidade, mas também experiências que promovam o bem-estar integral.
Portanto, é cristalino que a Alfabetização em Saúde Mental ultrapassa a esfera de uma necessidade premente, erigindo-se como um catalisador de mudança educacional e social profunda. A adoção de estratégias eficazes no desenvolvimento de competências socioemocionais em alunos do ensino fundamental é imperativa. Esse passo é essencial não só para enfrentar os desafios atuais inerentes à juventude, mas também para erigir os alicerces de uma sociedade mais resiliente, emocionalmente estável e produtiva.
Acentuada pela conscientização crescente e pelo apoio de organizações internacionais, bem como pela congruência das políticas educacionais com tais preceitos, estamos na antecâmara de uma era em que o bem-estar mental e emocional das crianças será tão estimado quanto sua educação acadêmica. Temos o privilégio e a responsabilidade de liderar essa transformação, assegurando que cada criança tenha acesso a um ambiente educacional que reconheça e fomente integralmente seu potencial.
O futuro que almejamos é um onde a Alfabetização em Saúde Mental seja um pilar inabalável, somando-se às habilidades cognitivas na construção de indivíduos completos, capazes, emocionalmente saudáveis e livres — indivíduos que se desenvolvem plenamente e contribuem de maneira significativa para a sociedade.
(*) Dr. Gabriel Smaniotto é Médico Psiquiatra CRM-RS 45580 RQE 40277