Sol ambíguo
Muitos povos antigos tinham no Sol sua referência mística. Um número enorme de civilizações importantes, elevou o Sol ao nível de divindade máxima. Egípcios adoravam Re. O antigo Japão adorava Amatersu. Inti, deus-Sol, dominava o império do Sol dos Incas. Nos povos da Amazônia, os Apinajés cultuavam Mbud-ti (Sol) e Mbuduruvi-Re (Lua).
Estes dias de aquecimento global, parece ter dado outra configuração a esta caliente estrela Sol, que parece ditar regras de vida ou não vida sobre àqueles que compõe o sistema solar. Entre eles a Terra, sob ameaça de desorganização da vida, tal como a conhecemos. Talvez pelo pacto rompido, a muito tempo atrás, entre homens e outras espécies da biosfera. Muitas delas domadas. Outras domesticadas, como fez também com negros africanos e indígenas, em nome da conquista de novos territórios, da colonização ideológica e da riqueza sem limites.
Este comportamento não mudou muito no século XXI. Apenas o cenário. No fundo, a inteligência humana, apesar de enormes conquistas espaciais, não conseguiu civilizar o seu primitivo instinto de sobrevivência, presentes em qualquer organismo vivo. Dos visíveis aos invisíveis. De elefantes a vírus e bactérias. Será que civilização sempre foi um discurso de retórica, utilizada pelos conquistadores de outrora para justificar suas barbáries?
O mesmo se pergunta para os colonizadores hipermodernos, como EUA, Rússia, China e outros. Diminuiu o espaço e aumentou a voracidade. Que civilidade é esta que só sobrevive nas reuniões da ONU?
Na publicidade de bens manufaturados, na propaganda ideológica e no marketing de consumo, parecemos estar em um mundo ideal. Só consumir suas oferendas que todos serão felizes. Esta mesma criatividade poderia ser usada agora nestes tempos de temperaturas radicais. Continuam oferecendo produtos que, pelo processo da manufatura, colocaram o clima terrestre em uma sinuca de bico. Ou xeque-mate como queiram. E não cabem mais explicações racionais para esta pauta. É hora de deixarmos a intransigência e a prepotência de molho.
Tenho receio de que na próxima COP no Catar, daqui a algumas semanas, o calor solar de nada adiantará para oxigenar os governantes ou representantes que lá estarão. Afinal, nas vinte e sete Cops anteriores nenhum avanço significativo foi obtido para conter o acirramento da crise climática. As condutas se restringiram a defesa de demandas territoriais ou nacionais. O planeta virou uma grande colcha de retalhos. Cada um cuidando do seu pedacinho.
Este mesmo Sol venerado antigamente, hoje se torna uma persona non grata, mesmo a sombra de árvores, que os analfabetos climáticos teimam em derrubá-las, com as mais inusitadas e criativas motivações.
Governos e governantes, políticos e politicagem, ricos e poderosos pouco podem fazer diante do sol impiedoso. Como colabora para a vida, pela fotossíntese, também pode colaborar para a morte. Nos recentes incêndios no pantanal de MS e MT, um recado solar nos foi dado: nem as maiores planícies alagadas do mundo escapa à sua fúria ambígua.
A sanha humana, com a palavrinha mágica “cada vez mais”, presentes nas criativas mentes do empreendedorismo de verve capitalista e de batom selvagem, foi o sal e o açúcar a temperar nossas aventuras nada civilizadas ou civilizatórias.
A cultura individualista e egocêntrica cegou o gênero humano. Aprendeu a olhar para frente. Não para os lados. Há mínimas possibilidades de reversão deste caótico panorama climático. É apenas um ponto de vista. Quando, a oito anos atrás, comecei a escrever artigos sobre isso, a esperança me motivava. Hoje perdida nas promessas dos mais midiáticos microfones do mundo.
(*) Gilberto Verardo é Psicólogo humanista.
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