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Adoção de crianças por casais homossexuais: desafios e potencialidades

Mônica Sperb Machado e Giana Bitencourt Frizzo (*) | 27/10/2022 08:30

Cada vez mais casais formados por adultos do mesmo sexo têm buscado a adoção como uma das formas de concretização do desejo de se tornarem pais ou mães. Adotar uma criança requer muita intencionalidade e disposição, a fim de percorrer as inúmeras etapas legais necessárias e de lidar com os desafios da adaptação familiar pós-adoção. Para casais homossexuais chegarem à parentalidade adotiva, contudo, podem ser necessários ainda mais desejo e planejamento. Isso porque as famílias homoparentais – quando um casal do mesmo sexo tem um ou mais filhos – encaram também o desafio de conquistar sua legitimidade perante a sociedade.

Em 2011, o Supremo Tribunal de Justiça passou a reconhecer os casais formados por pessoas do mesmo sexo como uniões estáveis e famílias, além de permitir que realizem adoções conjuntas. Somente em 2013, o Conselho Nacional de Justiça definiu que esses casais não podem ter seus casamentos recusados nos cartórios de todo o território nacional. Isso demonstra que o reconhecimento jurídico dessas famílias é recente e há ainda um caminho a ser percorrido para que tais deliberações se tornem direitos dessa população, mediante leis asseguradas pelo Poder Legislativo.

Além disso, os casais homossexuais que adotam ou que estão na fila de espera para a adoção costumam enfrentar o desafio maior do preconceito social. Há toda uma preocupação relativa à maneira com suas famílias serão vistas pela sociedade e, principalmente, sobre como a criança adotada poderá ser afetada pelos preconceitos. Frente a isso, ainda são comuns os receios de como a orientação sexual dos pais e a configuração familiar podem influenciar o desenvolvimento emocional da criança e a sua compreensão de “família”.

Do ponto de vista da psicologia, uma criança precisa de alguém responsável e amoroso que lhe garanta condições para desenvolver todo o seu potencial. O que importa é que a família tenha muito afeto e disposição, e que as figuras parentais sejam sensíveis e responsivas, atendendo às necessidades da criança, independentemente de raça, etnia, cultura, nível socioeconômico ou da orientação sexual desses adultos.

Estudos desenvolvidos pelo Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças (NUFABE), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), têm mostrado inúmeras potencialidades das famílias homoparentais formadas por meio da adoção. Há o reconhecimento positivo por parte de psicólogas(os) e assistentes sociais atuantes no sistema judiciário de que esses casais têm relacionamentos mais maduros quando chegam à decisão de adotar, o que os leva a ter uma abertura para um perfil de criança desejado mais flexível e ampliado, incluindo casos de adoção de crianças maiores, por exemplo.

No âmbito familiar, os parceiros do mesmo sexo, além de compartilharem o desejo de terem filhos, também tendem a se apoiar muito em aspectos práticos, de organização e de divisão das tarefas no cotidiano do lar.

Os papéis parentais tendem a ser desempenhados de formas mais flexíveis e igualitárias nas famílias homoparentais por adoção, sendo definidos a partir da comunicação e de acordos assertivos entre os casais, o que é um grande exemplo a ser seguido pelas famílias de diferentes configurações.

No entanto, alguns casais homossexuais infelizmente pouco contam com o apoio das suas famílias de origem (pais, mães, tios, etc.) muitas vezes por uma dificuldade de aceitação da sua sexualidade ou da sua forma de ser família. Por outro lado, amigos, colegas de trabalho e de estudo ou demais pessoas da comunidade podem ser grandes referências de suporte aos desafios de se tornarem pais ou mães por adoção.

O apoio social é uma das medidas que podem ser destacadas para lidar com os desafios da adoção e prevenir o estresse parental nas famílias homoparentais. Contar com a presença e o envolvimento de outras pessoas nas atividades cotidianas de cuidado e educação das crianças são como pré-requisitos para desempenhar a parentalidade. Essas pessoas podem fornecer apoio não apenas prático, como tomar conta ou buscar na escola, mas, principalmente, no âmbito emocional, reforçando suas qualidades e habilidades pessoais e parentais.

A experiência do NUFABE no acompanhamento de grupos de apoio à adoção demonstrou que, além de buscar pessoas próximas que possam auxiliar na parentalidade, também pode ser importante se vincular a outros pais e mães por adoção que vivem desafios semelhantes. Compartilhar as situações do dia a dia, medos e anseios pode ajudar os casais a se fortalecerem para lidar com os preconceitos e a amenizar angústias.

Por fim, atuar na causa social da adoção e, especificamente, da adoção por casais do mesmo sexo, consiste em uma importante responsabilidade. Esse encargo deve ser compartilhado não apenas por casais homossexuais que desejam ter filhos, mas também por profissionais do judiciário, pesquisadores da área e profissionais que atuam no suporte às famílias. Temos muito ainda a evoluir com relação à garantia de direitos das populações LGBTQIA+ de terem suas famílias legitimadas nos âmbitos social e jurídico. Essa é uma luta que não pode parar e é um compromisso de todos enquanto sociedade.

(*) Mônica Sperb Machado é mestre em Psicologia pela UFSM e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRGS.
(*) Giana Bitencourt Frizzo é doutora em Psicologia e docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFRGS. Bolsista de produtividade CNPq.

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