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Como fica a fertilidade após a cura do câncer?

Rossana Colla Soletti e Adriana Bos-Mikich (*) | 22/09/2022 13:30

Receber um diagnóstico de câncer é cada vez mais comum: cerca de uma em cada cinco pessoas no mundo já vivencia essa situação, e as estimativas sugerem que o número de pacientes oncológicos aumentará nas próximas décadas. Segundo a estimativa feita pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), são previstos 625 mil novos casos para o Brasil em 2022. Se a quantidade de casos de câncer tem aumentado a passos largos, o avanço da ciência está permitindo grande evolução nos tratamentos. A sobrevivência de pacientes oncológicos dobrou nas últimas décadas, chegando a 98% para alguns tipos de tumores. Dentre o público de crianças e adolescentes com câncer, cerca de 80% deles podem ser curados se tratados adequadamente. Conforme avançam os índices de sucesso das terapias antitumorais, a preocupação com a qualidade de vida dos pacientes deve estar também no foco dos especialistas desde o início dos processos para a cura.

O tratamento do câncer varia de acordo com o tipo e o grau do tumor, e em muitos casos inclui a quimioterapia. Os medicamentos quimioterápicos são efetivos em tratar células que se multiplicam rapidamente, como é o caso das células tumorais. Outras células em nosso corpo, porém, também se encaixam nessa categoria de “células altamente proliferativas”, como a medula óssea, que produz as células do sangue; as células das mucosas que revestem a boca e o intestino; as células dos folículos pilosos, que produzem os fios de cabelo. Além disso, alguns tratamentos quimioterápicos podem danificar as células responsáveis pela produção dos espermatozoides nos homens e acabar com a reserva ovariana das mulheres – o estoque de oócitos que a mulher dispõe para ovular durante toda a sua vida reprodutiva, e que não é renovável.

Por causa da toxicidade da quimioterapia nas células não tumorais, os pacientes podem ter efeitos colaterais, como queda dos cabelos e anemia, além de alterações na fertilidade, que podem afetar de forma transitória ou permanente a capacidade de gerar filhos biológicos.

Muitos casos de câncer concentram-se em crianças, adolescentes e jovens adultos, e a incidência de câncer infanto-juvenil está aumentando no mundo. Para trazer uma ideia, a estimativa brasileira feita pelo INCA previu 8.460 casos de câncer entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos em 2022. Os pacientes pediátricos e os adultos jovens que passarem por um tratamento oncológico bem-sucedido poderão seguir com suas vidas e seus planos para o futuro, o que pode incluir o desejo de gerar filhos biológicos. Um aspecto importante para ser levado em consideração é a possibilidade de jovens meninas que ainda não atingiram a maturidade sexual (ainda não menstruaram) não virem a fazê-lo após o tratamento quimioterápico, perdendo a possibilidade de gestar no futuro, e também necessitando terapias hormonais para repor a ausência de estrógeno no organismo. Em outras palavras, essas meninas podem ficar menopausadas. Assim, é fundamental que as pessoas, enfrentando um tratamento oncológico – e seus profissionais de saúde –, sejam esclarecidas quanto ao possível impacto à sua fertilidade e ao seu equilíbrio hormonal.

De forma contrária ao que se espera, é baixo o nível de conscientização de profissionais da saúde a respeito das alterações que o tratamento do câncer pode causar à fisiologia hormonal dos indivíduos, particularmente nas meninas e jovens mulheres em idade reprodutiva, e na futura possibilidade de reprodução e bem-estar fisiológico. Com isso, muitos pacientes não são informados que poderão ter dificuldades para serem mães ou pais biológicos e, acima de tudo, não são informados a respeito das possibilidades disponíveis para preservação de sua fertilidade.

Atualmente estão disponíveis diferentes estratégias para preservar a fertilidade em mulheres em idade reprodutiva e em crianças.

Para as pacientes adultas, que já experienciam ciclos menstruais, a criopreservação dos oócitos representa uma opção bastante realista de chance de gestação e de ter descendentes biológicos. Quanto maior for o número de gametas coletados e armazenados em botijões de nitrogênio líquido, maiores as chances de gerar um bebê futuramente, quando estiver livre do câncer. Caso haja a possibilidade, a paciente poderá optar por fertilizar os oócitos e armazenar os embriões gerados. Mais recentemente, foi desenvolvida a técnica de coleta e preservação de porções dos ovários que contêm inúmeros oócitos. Essa estratégia permite não apenas a geração de filhos biológicos, mas é também a única forma de restabelecer os ciclos hormonais, a menstruação, e evitar a osteoporose e outras condições relacionadas ao não funcionamento dos ovários devido ao tratamento oncológico. Atualmente já existem quase 300 bebês nascidos de mulheres após o retransplante de tecido ovariano.

Em crianças e meninas jovens não é possível fazer a coleta de oócitos maduros, o que inviabiliza o emprego da criopreservação de gametas. Nestes casos, a coleta de parte de um ovário ou até mesmo de um ovário inteiro para preservação representa a possibilidade de essas pacientes terem seus filhos biológicos no futuro e, mais importante, terem também sua fisiologia hormonal restabelecida após a cura do câncer e o retransplante do tecido ovariano armazenado.

A importância da conscientização sobre a preservação da fertilidade entre pacientes oncológicos e seus profissionais de saúde é indiscutível, e a Universidade tem um papel fundamental nesse processo. Um guia detalhando os impactos do tratamento oncológico na fertilidade de homens e mulheres, bem como as opções de tratamento disponíveis, estão sendo desenvolvidos na forma de e-book e website institucional, com o apoio da Secretaria de Educação a Distância da UFRGS. Esperamos que esse material possa futuramente contribuir para a divulgação dessas informações dentro do ambiente acadêmico e para profissionais de saúde já formados.

(*) Rossana Colla Soletti é professora do Departamento Interdisciplinar no Câmpus Litoral Norte da UFRGS.
(*) Adriana Bos-Mikich é professora do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS.

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