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Covid-19, ciência, público e políticas públicas

Franco M. Lajolo (*) | 24/06/2020 11:07

A emergência que estamos vivendo nesta pandemia da covid-19 reforça a importância da pesquisa científica. A ciência é uma das mais poderosas formas de produzir conhecimento, e o conhecimento é cada vez mais essencial para entendermos o mundo em que vivemos e para vivermos melhor nele, desenvolvendo uma sociedade cada vez mais justa.

Sabemos hoje que as ciências básicas, as aplicadas e as sociais têm enorme importância econômica e social: ao longo do tempo, tiveram papel determinante na evolução da sociedade e no bem-estar da humanidade.

Exemplos marcantes dessa atuação são as respostas à necessidade de produzir alimentos para os mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, as tecnologias para garantir sua conservação, distribuição e segurança. Deve-se também à ciência a redução das doenças e os avanços na compreensão delas.

Esses benefícios só foram possíveis pelo conhecimento sem precedentes dos mecanismos celulares, moleculares e genéticos, o que levou à criação de medicamentos que contribuíram, ao longo da história, para expressivo e bem-vindo aumento na expectativa de vida. As vacinas que protegem da poliomielite, do tétano, da coqueluche, do sarampo e de muitas outras doenças têm base em descobertas científicas de variadas áreas da ciência.

É importante que a sociedade esteja consciente desse papel, o que requer, dos cientistas, esforço grande de comunicação. No mundo atual, a preocupação com a informação séria e compreensível – compreensível para além do restrito círculo dos pares – precisa fazer parte das funções dos pesquisadores.

Nas atividades de pesquisa – particularmente nas desenvolvidas na universidade – geram-se ao mesmo tempo soluções para problemas ao lado dos recursos humanos necessários para isso. A construção desse sistema de pesquisa, de ciência e de tecnologia leva muito tempo e requer recursos da sociedade de forma contínua, definida e estável, o que – infelizmente – não tem sido uma constante no Brasil, embora, recentemente, tenha ficado cada vez mais visível a importância da pesquisa e do conhecimento científico – o existente e o do que vem sendo gerado, agora emergencialmente – para o combate à pandemia do coronavírus.

Cientistas estão se mobilizando como nunca antes ocorreu. Muitas instituições, incluindo empresas, estão trabalhando colaborativamente, procurando entender como o vírus atua na célula, ensaiando e produzindo fármacos – testando os novos e os já existentes – com o objetivo de combater esse vírus.

Grandes editoras científicas disponibilizam seus acervos permitindo socialização do conhecimento, além de publicação rápida de pesquisas recentes, ao mesmo tempo em que as mídias sociais, muito atentas, procuram levar rapidamente a informação ao público.

Ou seja, a ciência nunca se moveu tão rapidamente.

No Brasil, ao lado da competência de trabalho com big data e inteligência artificial, desenvolvido em universidades e instituições privadas, a exploração da biodiversidade pode ser uma estratégia interessante que se beneficiaria do conhecimento acumulado por diversos grupos de cientistas brasileiros.

Há hoje no mundo 136 vacinas em desenvolvimento, valendo-se de estratégias diferentes, baseadas no vírus, em vetores virais ou proteínas. Dez estão em ensaios clínicos de fase II ou III. O Instituto Butantã, em parceria com o laboratório chinês Synovac, inicia, em breve, os ensaios clínicos de fase III de uma delas, com 9 mil voluntários.

Deverá usar plataforma tecnológica de produção baseada no know-how existente no instituto obtido através da produção de outras vacinas. Será também testada no Brasil, pela Unifesp, uma vacina desenvolvida na universidade inglesa de Oxford, em parceria com a AstraZeneca.

Entre os medicamentos há mais de 1.500 ensaios clínicos registrados em andamento no mundo, sendo que 153 estudam reposicionamento de fármacos, que por já terem tecnologia de produção e segurança demonstradas podem acelerar o processo de descoberta, o que – sem estas condições –, para uma molécula nova, poderia levar até dez anos.

Poucos meses depois do início da pandemia no Brasil, institutos, universidades, empresas, mídia, grupos de pesquisa, sociedade em geral se mobilizaram num grande esforço de integração transdisciplinar, interinstitucional dentro do País e com o exterior, produzindo e trocando dados e complementando projetos.

Redefiniram-se projetos de pesquisa, e agências como a Fapesp estabeleceram novas prioridades destinando fundos para projetos emergenciais. Iniciaram-se pesquisas sobre vacinas, estudos sobre a estrutura do vírus, modelos matemáticos para predições epidemiológicas; montaram-se ensaios clínicos em humanos sobre tratamento, pesquisaram-se novos testes diagnósticos, construíram-se tomógrafos e respiradores.

Isso permitiu, entre nós, o diálogo científico internacional de alto nível e participação em esforços globais integrados de pesquisa de desenvolvimento de vacinas e medicamentos ao lado de estudos epidemiológicos.

Simultaneamente a este cenário positivo, foi revelada nossa deficiência na estrutura hospitalar, na notificação epidemiológica e na carência de recursos disponíveis; o que deixou mais claro, a partir de discussões na mídia e com a sociedade, o importantíssimo papel da ciência e de nossas instituições de pesquisa.

A ciência tornou-se hoje, no mundo, a grande protagonista pautando o debate público e propondo formatos necessários e urgentes para políticas de ciência e tecnologia. A comunidade científica brasileira reagiu com agilidade a desafios até poucos meses antes desconhecidos, mostrando por que é essencial manter um sistema sólido e internacionalizado de ciência e tecnologia e de formação e recursos humanos, que só pode ser garantido por políticas de longo prazo e continuidade de financiamento público.

A ciência sozinha, porém, não resolve todos os problemas. São igualmente necessárias políticas públicas adequadas baseadas no conhecimento produzido. E é preciso ainda levar informação científica à sociedade para que, informada, ela não se deixe levar por afirmações distorcidas, não fique refém de fake news e não permita a politização da saúde e do medicamento.

Um exemplo talvez ilustre o tópico.

A ausência de pesquisas científicas que evidenciem efeitos preventivos da cloroquina lembra a situação de poucos anos atrás, quando a USP foi obrigada, por decisão judicial, a produzir e distribuir fosfoetanolamina para tratamento do câncer, o que – já se sabia e continua confirmado – era totalmente ineficaz. A decisão foi revogada, mas depois de gastos altos completamente desnecessários.

A pandemia que estamos enfrentando deixará marcas e impactará o futuro. Ainda não sabemos em que medida vai provocar mudanças nem quais serão suas consequências na ciência, na economia e na sociedade. Instituições, pesquisadores e profissionais de diversas áreas da medicina, da economia, das ciências sociais, da engenharia e de outras áreas debruçam-se sobre a questão. O que talvez permita acreditar que a ciência e as instituições de ensino e pesquisa, a partir de tudo o que estamos vivendo, possam – cada vez mais – estabelecer relações efetivas e reconhecidas com a sociedade.

Diante de problemas cada vez mais globais como pandemias, questões ambientais e de segurança, fica ainda mais clara a importância da interdisciplinaridade, da internacionalização, da colaboração global e entre instituições públicas e privadas ao lado da existência de políticas públicas solidamente apoiadas na melhor ciência.

Concluindo: a pandemia da covid-19 exigiu e continua exigindo transformações no modo de fazer ciência e de divulgá-la. O que talvez seja um bem-vindo anúncio do futuro que veio para ficar.

(*) Franco M. Lajolo é professor emérito da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e ex-vice-reitor da USP.

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