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Economia ou respeito pela vida? Problematizando um falso dilema

Por Marcio Gimenes de Paula (*) | 14/04/2020 06:02

Nos últimos dias, em função de tudo o que parece cercar o tema covid-19, foi estabelecido um tipo de debate, se assim posso mesmo chamá-lo, com uma espécie de falsa dicotomia. Parecem existir aqui duas posições em disputa tanto no Brasil como no exterior.

A primeira advoga a tese que todos devemos evitar – ou ao menos diminuir – o convívio social, pois este é, segundo apontam relatórios científicos e médicos, o melhor método para evitarmos contágio. Tal posição tem sido adotada pela maioria dos países e vivamente recomendada pela Organização Mundial da Saúde.

A segunda posição parece se concentrar num apelo à economia de mercado, ou seja, sua perspectiva não é científica ou médica, ainda que possa levar em conta alguns desses dados em conta. Sua análise se baseia numa avaliação de que se não voltarmos ao nosso convívio social e, consequente, voltarmos às atividades produtivas de antes, tudo se acabará, ou seja, os países irão à falência, os bancos, as empresas, os empregos e etc.

Não penso que devemos nos descuidar da economia e não sou economista para falar aqui mais profundamente sobre o tema. Parece que os países responsáveis já se aperceberam disso e, cada um do modo como pode, fará de tudo para melhorar a vida do seu povo e lhe garantir a sobrevivência, inclusive injetando recursos financeiros para manter o mercado ativo.

Contudo, o debate parece ter se alicerçado numa falsa base e é sobre isso que gostaria de falar. Até o momento pouco se explorou o real significado da palavra “economia”. No seu significado primeiro, no idioma grego, ela quer dizer, literalmente, “administração da casa ou do lar”, aquilo que nos é “comum”, chegando mesmo a aproximar-se de “meio-ambiente”. Em outras palavras, ao contrário do que parecem pensar alguns, economia tem absolutamente tudo a ver com nossa relação com a natureza, com o meio onde vivemos, com quem somos e etc.

Assim, tratar de economia como algo ligado aos bancos, às grandes corporações, ao sistema financeiro e etc é, antes de mais nada, não entender o significado originário da palavra. Por isso, os mercados só podem existir em função da nossa existência e, de nossa parte, nós só existimos quando estamos integrados no todo da natureza.

Ao contrário do que se diz por aí, não somos e nunca seremos dissociados dela. O que a crise atual parece nos mostrar é que a natureza não precisa nos pedir licença para existir e nós teimamos, todos os dias, em não perceber tal coisa, como bem disse o Papa Francisco na sua inspiradora homilia no dia 27.03.2020, referindo-se aqui ao criador da natureza segundo a perspectiva cristã: “Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.

Não precisamos necessariamente ser cristãos ou católicos para compartilhar das inquietações do Sumo Pontífice, pois, para todos nós, vale a pena refletir sobre a ilusão de nos imaginarmos sempre sãos num mundo doente. A nossa casa comum e, nesse sentido, a nossa economia, também adoeceu.

Ela adoeceu junto com todo o planeta e agora não adianta mais fazermos disputas ideológicas, apelar aos maniqueísmos ou estabelecermos uma área para opiniões insensatas serem despejadas de modo agressivo, como ocorre todos os dias em certos canais da Internet. Aliás, em termos científicos e médicos, não vale o “achismo”. O que vale é pesquisa científica efetiva, que pode ser testada e comprovada. Algo que possui evidência.

As opiniões podem ser guardadas para assuntos outros, mas não para esses. Quando vou a um consultório médico não estou lá para dar minha opinião sobre se o especialista deve ou não me prescrever este ou aquele remédio. Menos ainda posso julgar, baseado naquilo que um não especialista pode acessar no Google, sobre terapias ou medicamentos que me parecem tão eficazes quanto aquilo que um profissional habilitado e formado pode (e deve), efetivamente, me prescrever. O mundo também adoeceu na arrogância de fazer uma equivalência de opiniões e de crenças com pesquisa científica e acadêmica.

No fundo o que os defensores da tese econômica querem saber é se teremos novamente vida produtiva e social, ou seja, como ficarão os bancos, as grandes corporações e os donos do grande capital? A pergunta anterior a essa deveria ser: haverá um planeta e seres humanos vivos? Tal pergunta nunca é feita ou, ainda pior, eles pressupõe que se alguns morrerem não há problemas. Afinal, eles “precisam” ser sacrificados para que os rituais do “Deus Mercado” continue sem interrupção. Como ousamos pensar em algo como a economia separada de todos nós?

Podemos pensá-la sem um pressuposto? Não é a natureza humana, o seu pressuposto? Aqui reside o falso dilema do economicismo que se julga a verdadeira economia e não se apercebe que a economia também é uma ciência mais ampla do que atender a um tipo de mercado sempre insaciável. Por isso, viva a economia! Aquela sobre a qual tantos falam nos últimos dias sem dela nada entenderem. Que lástima! Fico pensando que até o coronavírus terá um dia, talvez, sua cura. Já não tenho a mesma esperança para nós enquanto continuarmos pensando assim, de maneira tão rasa.

PS: Com agradecimento especial à minha querida companheira Ana Regina Luz Lacerda, pela leitura atenta e ótimas observações.

(*) Marcio Gimenes de Paula é graduado em filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (1999), graduado em teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Independente (1994), mestre em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2002) e doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2005).

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