Enfim, a corrupção chegou às universidades brasileiras
Estava demorando: o tumor maligno da corrupção alastrou-se até o ambiente acadêmico. Na verdade, sempre existiram várias formas de corrupção nas universidades brasileiras, mas com os escândalos nas concessões irregulares de bolsas de estudo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul no fim do ano passado e, ainda ontem, na Universidade Federal do Paraná, como resultado da cognominada “Operação Research”, tudo passou a ficar mais às claras, pois é sempre necessário fazer vir à tona o oculto e causar estardalhaço na mídia para que possamos nos conscientizar da sua existência.
A divulgação de mais uma roubalheira do dinheiro público deveria levar à reflexão sobre a natureza específica da corrupção que envolve as universidades públicas. Só há corrupção onde há dinheiro circulando, e pelas universidades federais e estaduais circula muito dinheiro e quase sempre ele é mal empregado e utilizado de maneira inadequada e inconveniente.
Desde que foram criadas na Baixa Idade Média, as universidades têm como objetivo a difusão do saber universal e, no contexto medieval, com fundamentais trabalhos de tradução e de redescoberta da vasta obra de Aristóteles e de Platão, só para citar dois exemplos notórios, passaram a constituir um dos pilares do humanismo então incipiente e que culminaria na fértil temporada do Renascimento. Um ambiente do gênero está, portanto, diretamente ligado à formação de elites e consequentemente à formação dos quadros que devem compor o aparato estatal. Se há corrupção generalizada no Estado, como ocorre no Brasil atual, por que haveria de ser diferente entre os acadêmicos universitários?
Há que se distinguir, porém, as várias formas de corrupção que afetam as universidades, mormente as brasileiras e, sobretudo, as públicas. No que diz respeito à captação de recursos externos, tão valorizada e incentivada pela cúpula do poder universitário, a corrupção não se configura apenas em bolsas fraudulentas ou em desvios de verbas, mas também em projetos de pesquisa que atendem apenas aos interesses de determinados grupos políticos e que não primam pelo objetivo de difusão e incremento do saber, de natureza humanística, biomédica ou tecnológica.
De certa maneira, os objetivos são definidos antes por políticos, estaduais ou federais, e apenas adaptados depois às habilidades e competências demonstradas pelos quadros que compõem os pesquisadores universitários em todos os níveis, da iniciação científica ao pós-doutorado. Há honrosas exceções, claro, mas trata-se de casos isolados que raramente rompem as várias barreiras que se devem percorrer para que a pesquisa saia das prateleiras empoeiradas das bibliotecas e alcancem um público mais vasto, atuando diretamente na sociedade e cumprindo, assim a sua finalidade primordial.
Outras ilegalidades assolam as universidades brasileiras, sobretudo no que diz respeito à resignação (ou acomodação) de professores e alunos à burocracia ineficiente e improdutiva, pela qual se torna fácil “fingir” que se produz e se transmite conhecimento, do lado docente, e que se assimilam facilmente sabedorias variadas e amplas, do lado discente. Tudo se resume, salvo honrosas exceções, em obtenção de documentos (o famoso “canudo” de papel) que não comprovam o alto grau de conhecimento adquirido neles transcrito. Trata-se, enfim, de uma forma de corrupção ainda mais grave que o desvio de verbas perpetrado por quadrilhas constituídas dentro do ambiente acadêmico.
É possível recuperar o dinheiro desviado e punir os malfeitores que o desviaram, mas quantos anos serão necessários para se recuperar o conhecimento que não se propagou efetivamente e que em nada ou pouco contribuiu para melhorar a sociedade e os cidadãos que nela vivem? O mal que se fez, neste caso, é quase irreparável e é dele que deveríamos tratar com urgência, se quisermos salvar o ensino público em geral e, sobretudo, as universidades públicas. Depois não adianta reclamar se num futuro, não muito distante, infelizmente, elas caírem nas garras de grandes grupos educacionais caça-níqueis, tornando-se, aí assim, oficialmente, máquinas expedidoras de diplomas sem nenhum valor.
(*) Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.