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Entre oportunidades, barreiras e desigualdades: as faces da mobilidade acadêmica

Vários autores (*) | 21/12/2022 08:30

Em meados dos anos 2000, duas obras foram publicadas para discutir a globalização e seus efeitos. No livro The world is flat, Thomas L. Friedman[1] argumentava que globalização e o desenvolvimento tecnológico tornariam as divisões históricas e geográficas cada vez mais irrelevantes. Já Richard Florida[2], na obra The world is spiky, sustentava que as mudanças geradas pela globalização estariam longe de nivelar as diferenças entre países, devido às disparidades socioeconômicas. Para Olechnicka, Ploszaj e Celińska-Janowicz[3], as dinâmicas da produção científica estariam mais próximas da lógica de Florida, pois os processos de geração de conhecimento ocorrem, historicamente, de forma concentrada, refletindo disparidades globais, hierarquias e transformações, incluindo aquelas relacionadas com o crescente papel da colaboração científica.

De toda forma, a globalização elevou a interconectividade dos países e possibilitou o aumento do fluxo de ideias e de indivíduos, afetando, também, a dinâmica e os padrões de mobilidade acadêmica internacional[4].

No passado, a mobilidade acadêmica concentrava-se, principalmente, em países europeus e nos Estados Unidos (EUA). Isso decorria do poder econômico e cultural, dos elevados investimentos aportados em pesquisa e inovação, bem como da presença de universidades de prestígio nessas localidades. No entanto, observa-se que o padrão de mobilidade internacional se alterou ao longo do tempo: os EUA, antes um ator central no tabuleiro da mobilidade internacional, têm perdido espaço. Tal cenário decorre do relativo declínio no prestígio das instituições de ensino norte-americanas e do fortalecimento das universidades europeias e asiáticas[4]. O caso asiático é emblemático pela ascensão econômica da China, por alterar o panorama global de destino das mobilidades com os massivos investimentos em pesquisa e inovação em suas universidades. Em vista disso, observa-se que o volume de mobilidade internacional cresceu exponencialmente nas últimas décadas, alterando a própria dinâmica do fluxo, com um maior crescimento da mobilidade entre os próprios países europeus, bem como entre a China e seus vizinhos. Portanto, os padrões observados atualmente indicam uma mudança do comportamento da mobilidade internacional, que anteriormente possuía uma dinâmica bipolar (EUA e Europa) e passou a ter características de uma dinâmica multipolar, com a China ocupando um espaço cada vez mais central.

Além das mudanças nos padrões de mobilidade, estudos indicam que, conforme os cientistas se deslocam para além das fronteiras nacionais, é possível que se deparem com diferentes tipos de barreiras, que podem ser políticas, regulatórias, logísticas ou culturais. Dentre as principais barreiras identificadas, estão: falta de financiamento, restrições ao compartilhamento de material e dados, dificuldade em obter vistos, diferenças nos padrões acadêmicos de diferentes países, preconceito contra acadêmicos de países emergentes ou em desenvolvimento e falta de estímulo, ou mesmo restrições, das próprias instituições ou departamentos aos quais os cientistas estavam vinculados. Mesmo em países com sistemas científicos consolidados, como os EUA, o Reino Unido e a França, cerca de um terço dos cientistas declarou já ter enfrentado algum tipo de barreira[5].

Diante desse cenário, a mobilidade de acadêmicos tem sido alvo de políticas de incentivos crescentes nas últimas décadas, justificadas pelos impactos positivos que ela pode gerar. Em termos gerais, sustenta-se que os cientistas móveis, especialmente aqueles que realizam mobilidade internacional, inserem-se em redes de colaboração mais amplas, acessam infraestrutura e financiamento, são mais produtivos, geram mais impacto científico e têm mais oportunidades para desenvolvem competências pessoais e capital simbólico[6]. É possível concluir, portanto, que a mobilidade pode impactar positivamente na situação ocupacional e na progressão na carreira[7].

É importante destacar que a mobilidade poder ser condicionada por fatores sistêmicos, institucionais e individuais. Os fatores sistêmicos atrelam-se ao quadro contextual dos países de origem e de destino, relacionando-se, por exemplo, às políticas de migração, ao tamanho e maturidade da comunidade acadêmica, às políticas de CT&I, bem como de mobilidade e internacionalização[8]. Também entram nessa categoria as dinâmicas das áreas do conhecimento e das disciplinas. Os fatores institucionais dizem respeito ao perfil e à reputação da instituição na qual o cientista atua (origem) ou para a qual faz a mobilidade (destino), às regras institucionais em relação à endogamia[i], entre outros. Finalmente, os fatores individuais envolvem dois tipos de elementos, quais sejam, as características sociodemográficas (gênero, raça, idade, nacionalidade, idioma, renda etc.) e as características relacionadas com a educação, o estágio de carreira e o “patrimônio acadêmico”, ou seja, as heranças incorporadas por um pesquisador durante seu período de formação — o conhecimento intangível, a formação científica, a rede acadêmica e os recursos financeiros e não financeiros[9].

Dentre esses condicionantes, podemos citar a desigualdade de gênero, pois as mulheres são sub-representadas na mobilidade internacional em todas as áreas do conhecimento[10]; a dificuldade de avançar na carreira, no caso dos cientistas com experiência de mobilidade internacional vinculados a universidades que não possuem regras impedindo a endogamia[11]; a diminuição das movimentações de mobilidade internacional com o avanço da idade na carreira[10].

Há, certamente, muitas oportunidades. Grande parte dos estudos conduzidos em países da Europa apontam que a mobilidade impacta no acesso a financiamentos internacionais e favorece a continuidade da carreira acadêmica. No entanto, os impactos diferem conforme o gênero do pesquisador e a sua área de atuação. Embora saibamos que os impactos da mobilidade acadêmica diferem para mulheres e homens, considerando as diferenças entre as suas trajetórias individuais como pesquisadores e as desvantagens que historicamente as mulheres têm enfrentado, alguns artigos são inconclusivos, enquanto outros apontam evidências de que as mulheres podem alcançar melhores remunerações após a mobilidade acadêmica[12].

É preciso considerar, também, que há limitações nos estudos. As amostras, por exemplo, são de áreas bastante específicas, o que não permite conhecer os impactos da mobilidade para todas as áreas do conhecimento. Nota-se, portanto, que a mobilidade acadêmica é multifacetada: seus impactos podem ser positivos ou negativos dependendo das características e dos processos históricos, seja dos países, das instituições ou da própria trajetória dos pesquisadores.

No Brasil, há uma escassez de estudos sobre o tema. A relevância deste tipo de pesquisa se dá pelo avanço do conhecimento, pois interessa captar os principais padrões empíricos, as mudanças institucionais e a própria composição do tabuleiro da mobilidade acadêmica. Além disso, os resultados desse tipo de pesquisa podem auxiliar na implementação de políticas públicas, no fortalecimento de agências de fomento e na criação de mecanismos voltados à igualdade de gênero na geração de oportunidades de mobilidade acadêmica.

No projeto de pesquisa denominado “Pesquisa da pesquisa e da inovação: indicadores, métodos e evidências de impactos”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e coordenado pelo professor Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, está incluído o estudo dos efeitos da mobilidade e da cooperação internacional na carreira acadêmica. As questões de pesquisa se destinam a avaliar o impacto da mobilidade, nacional e internacional, na situação ocupacional, no tempo para progredir, na formação de redes de cooperação e na obtenção de financiamento para pesquisa, tendo como universo de análise os programas da Fapesp. Para evitar estudos generalistas, pretendemos considerar os fatores individuais, institucionais e sistêmicos, a importância e o efeito do tempo nas trajetórias dos cientistas, e a extensão territorial — para não subestimar os esforços das movimentações domésticas em países de dimensões continentais como o Brasil.

Ana Maria Carneiro é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas NEPPP/Unicamp e coordenadora associada do Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (LabGeopi).

Ana Maria Nunes Gimenez é pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG/UNICAMP) com bolsa de Pós-doutorado Júnior (CNPq) fornecida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), IE/UFRJ.

(*) Ana Maria Carneiro é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas NEPPP/Unicamp e coordenadora associada do Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (LabGeopi).

(*) Ana Maria Nunes Gimenez é pesquisadora de pós-doutorado no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG/UNICAMP) com bolsa de Pós-doutorado Júnior (CNPq) fornecida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), IE/UFRJ.

(*) André Correia Bueno é doutorando em Teoria Econômica pela Unicamp/IE e bolsista TT-IV FAPESP associado do LabGeopi.

(*) Carolina Mendes é mestre em divulgação científica e cultural pelo Labjor-Unicamp e pesquisadora associada do LabGeopi.

(*) Gabriela Araujo Tetzner é bacharel em Nutrição pela Faculdade de Ciências Aplicadas FCA/Unicamp e bolsista TT-III FAPESP associada do LabGeopi.

(*) Julia Yuki Dias Suzuki é graduanda em Licenciatura/Bacharelado em Geografia pela Unicamp e bolsista TT-I FAPESP associada do LabGeopi.

(*) Luiza Maria Capanema é pesquisadora do Instituto Agronômico e pesquisadora associada do LabGeopi.

 

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