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Ficha Limpa, voto impresso e plebiscitos marcaram 2011

Por José Rollemberg Leite Neto* | 19/12/2011 14:44

Os grandes temas

O exercício de 2011 foi marcado no âmbito do Direito Eleitoral, fundamentalmente, por três grandes pautas: a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa, a possibilidade de o voto vir a ser impresso e os plebiscitos para a criação dos estados de Carajás e Tapajós. Paralelamente a isso, é digna de registro a criação de novos partidos políticos, destacadamente o Partido Social Democrático, o PSD. Por fim, alguns processos interessantes merecem realce, como os relacionados ao tema do prefeito itinerante e os feitos concernentes aos mandatos de governadores de estado, três dos quais julgados perante o TSE.

A Ficha Limpa

A Lei Complementar 135, que alterou a Lei Complementar 64/90, foi publicada em 10 de junho de 2010, portanto, em pleno ano eleitoral, no meio do período de convenções. Era natural que algumas dúvidas nascessem sobre a sua aplicabilidade àquele pleito. O que não se imaginava era que elas demorariam tanto para serem afastadas.

Ainda que o tema tenha passado pelo crivo do Tribunal Superior Eleitoral em 2010, o Supremo Tribunal Federal não conseguiu dirimir a questão da aplicabilidade da lei antes da eleição, muito menos antes da diplomação e posse dos eleitos.

O resultado das eleições, especialmente as parlamentares, ficou em suspenso, aguardando a solução de um impasse. A Suprema Corte ficou dividida. Cinco votos indicavam a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa (ministros Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie) e outros cinco pensavam de modo contrário (ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio e Cezar Peluso).

O empate não podia ser dirimido porque um dos assentos do tribunal estava vago em razão da aposentadoria do ministro Eros Grau. A lacuna só foi preenchida com a posse do ministro Luiz Fux, que veio a reconhecer que a regra da anterioridade eleitoral impedia a aplicação da Lei da Ficha Limpa ao pleito de 2010. Isso ocorreu no julgamento do RE 633.703.

Com isso, candidatos que tiveram seus registros indeferidos em razão de inelegibilidade declarada com base na LC 135/10 foram diplomados, a exemplo dos senadores João Capiberibe e Cássio Cunha Lima. Mas a anterioridade não era a única questão constitucional que pesava sobre a LC 135. Alegações de violência ao princípio da segurança jurídica, da razoabilidade-proporcionalidade e da presunção de inocência suscitaram debates judiciais que justificaram a propositura de ações declaratórias de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (ADI 4.578 e ADCs 29 e 30).

O ministro Luiz Fux, relator dessas ações, votou inicialmente pelo reconhecimento da constitucionalidade da legislação impugnada, salvo quanto ao aspecto concernente à renúncia de parlamentar após o protocolo de petição visando a abertura de procedimento ético. Depois, após o voto-vista do ministro Joaquim Barbosa, modificou o seu posicionamento e passou a entender ser plenamente constitucional a LC 135. O julgamento está interrompido por pedido de vistas do ministro Dias Toffoli.

Vale registrar a situação peculiar pela qual passou Jáder Barbalho, vencedor do pleito eleitoral para o Senado no Pará, mas não diplomado porque seu recurso, em 2010, foi a julgamento e restou inicialmente empatado. Na ocasião, por maioria, em desempate, o STF deliberou por manter a decisão do TSE sobre o caso (RE 631.102).

Posteriormente, com o julgamento do RE 633.703, em regime de repercussão geral, seu processo retornou a julgamento em embargos de declaração, mas o Tribunal se percebeu em situação de novo empate por cinco votos a cinco. Para a Corte, a matéria não desafiaria embargos declaratórios e o direito deveria ser debatido em sede de ação rescisória.

O julgamento aguardava posição da ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, indicada pela presidente Dilma Rousseff. Mas, finalmente, em 14 de dezembro de 2011, o ministro Cezar Peluso deliberou por desempatar a questão, com voto de qualidade, convalidando o registro da candidatura e autorizando a diplomação respectiva.

O voto impresso

A Lei 12.034/09 determinou que o voto eletrônico fosse impresso e que uma fração deles fosse objeto de apuração. Essa orientação, no entanto, foi questionada pela Procuradoria-Geral da República que alegou, fundamentalmente, que o sistema eletrônico de votação era confiável, não se justificando razoavelmente que se realizassem elevados custos de modificação, ainda mais com risco para o sigilo garantido ao eleitor.

No julgamento da medida cautelar na ADI 4.543, o tribunal, por unanimidade, suspendeu a previsão, com base no voto da ministra Cármen Lúcia, relatora, que, em linhas gerais, adotou os fundamentos do autor da ação.

Os plebiscitos

O Congresso Nacional baixou decretos legislativos autorizando a realização de consulta popular sobre a criação dos estados do Carajás e do Tapajós, a partir do território do estado do Pará (Decretos Legislativos 136 e 137/11).

O Tribunal Superior Eleitoral, encarregado de editar a regulamentação, houve por bem acompanhar o texto expresso da legislação, no sentido de ouvir as populações de todo o estado do Pará e não apenas as das áreas a serem destacadas em novos estados.

No julgamento da ADI 2.650, o Supremo Tribunal Federal endossou essa compreensão e, por unanimidade, convalidou a redação do artigo 7º da Lei 9.709/98, que determinava a oitiva de todo os cidadãos do estado e não somente daqueles residentes nas áreas destinadas a formar novas unidades federadas. Ficou vencido, apenas, o ministro Marco Aurélio, para quem todos os eleitores do Brasil deveriam ser consultados.

Os plebiscitos, inéditos na história brasileira para tal finalidade, foram realizados em 11 de dezembro e a maioria da população paraense decidiu pela não criação dos novos estados.

A criação do PSD e do PPL

Com a imposição da fidelidade partidária, muitos parlamentares ficaram imobilizados politicamente nas legendas para as quais foram eleitos em 2010. Desejosos de desvinculação por razões variadas (divergências com outras lideranças, perda de espaço interno, intenção de candidatura nas eleições de 2012, adesão aos governos das três esferas etc.), mas impedidos pela legislação de mudar de partido com base nesses motivos, encontraram na criação de um novo grêmio partidário a válvula de escape institucional necessária à saída sem prejuízo do mandato exercido.

Centenas de lideranças políticas municipais, estaduais e federais envolveram-se no projeto de criação de uma nova legenda, batizada de Partido Social Democrático (PSD), liderada pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Iniciado o processo de coletas de assinaturas, começou, também, uma corrida contra o tempo, haja vista a necessidade de criação do partido e filiação de nomes até 7 de outubro, data-limite para que os candidatos estivessem filiados aos grêmios nos quais concorrerão no pleito municipal de 2012.

O Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, vencido o ministro Marco Aurélio, aprovou a criação da nova legenda, após intenso debate sobre ser ou não competente para verificar a idoneidade do requerimento, a partir da contabilização direta das assinaturas (RPP 141.796).

O PSD tornou-se, de imediato, a terceira força do Congresso Nacional, formado a partir de parlamentares da oposição, trazendo dúvidas sobre a distribuição dos recursos do Fundo Partidário, do tempo de propaganda eleitoral, bem assim das representações proporcionais nas comissões e nos cargos do Legislativo, temas que, certamente, serão objeto de intensas discussões em 2012.

Pouco depois, sem maiores polêmicas, foi criado o Partido Pátria Livre (PPL), o 29º registrado e apto a participar das eleições de 2012.

O prefeito itinerante

O debate sobre o mandato de prefeito poder ser exercido por mais de duas vezes, desde que em cidades diversas continua em aberto. Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral ter posição sobre a matéria de modo a obstar tais eleições sucessivas em municípios diversos, reconheceu uma exceção este ano, no julgamento do Respe 35.906, cuja relatora foi a ministra Cármen Lúcia.

No referido caso, entendeu-se que havia uma peculiaridade a afastar o entendimento sedimentado da Corte: o prefeito Dário Berger, de Florianópolis, havia consultado o Tribunal Regional Eleitoral, que havia lhe confirmado a possibilidade de candidatura em município diverso daquele para o qual fora eleito prefeito duas vezes (São José), e para o qual também restou eleito alcaide por duas oportunidades.

O tema, no entanto, aguarda palavra final no Supremo Tribunal Federal, onde está em julgamento na AC 2.821, interrompido por pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes, após voto do ministro Luiz Fux no sentido da inconstitucionalidade de terceira e quarta eleições, mesmo que em cidades diversas.

Os governadores

O noticiário informa que onze governadores aguardavam julgamento pelo TSE em 2011. Três deles já foram julgados, em pelo menos um de seus processos, pelo Tribunal Superior Eleitoral: a governadora do Rio Grande do Norte (Rosalba Ciarlini), o de Roraima (José Anchieta) e o de Alagoas (Teotônio Vilela Filho).

No caso da governadora Rosalba Ciarlini, a acusação era de abuso dos meios de comunicação, em razão de 104 aparições em uma emissora de televisão pertencente a um aliado político e uso de verbas indenizatórias do Senado Federal (onde exercia o mandato antes de assumir o governo do Rio Grande de Norte) para pagamento de serviços vinculados à prestadores de serviços que também trabalharam campanha eleitoral. O Tribunal afastou a potencialidade lesiva dos dois fatos, vencido, apenas, o ministro Marco Aurélio (RCED 711.647).

Quanto ao governador José de Anchieta Júnior, a acusação era de uso indevido de veículos de comunicação do estado de Roraima quando de sua campanha de reeleição, o que caracterizaria conduta vedada. O Tribunal Regional Eleitoral havia julgado procedente a representação, mas o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que havia um defeito processual: a ausência de citação de litisconsorte necessário, o agente público responsável pelos atos que teriam beneficiado o governador. Com isso, extinguiu a demanda (RO 169.677).

Finalmente, o governador Teotônio Vilela Filho foi acusado de haver abusado de seu poder político e econômico ao distribuir 1,6 mil ovelhas em ano eleitoral. O processo já havia sido julgado em Alagoas, onde o Regional reconhecera a inocorrência de infração eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral ratificou parcialmente esse entendimento, por considerar que houve abuso, mas sem potencialidade suficiente para desequilibrar o pleito, apenas aplicando multa. Ficou vencido, apenas, o ministro Marco Aurélio (RO 149.655).

Outros tópicos relevantes

Na jurisprudência eleitoral, poucas foram as novidades dignas de nota. Apesar das muitas mudanças de composição do TSE em 2011, raros julgamentos traduziram alteração na prática eleitoral. Como nota lateral, pode-se registrar: a) a fixação, pelo TSE, do foro da primeira instância do domicílio do doador como competente para analisar as representações concernentes a excessos de doação para as campanhas eleitorais (RP 98.140); e b) a definição, pelo Supremo Tribunal Federal, de que a vaga do parlamentar que se licencia pertence ao suplente da coligação (MS 30.260 e MS 30.272).

As reformas políticas e eleitoral

A Reforma Política e a Reforma do Código Eleitoral não foram realizadas. A primeira, por falta de consenso sobre temas medulares como o sistema (distrital/majoritário, proporcional ou misto) de eleição para as cadeiras parlamentares, financiamento (público ou privado) de campanhas, entre outros eixos da estrutura democrática brasileira. A segunda, porque dependente da primeira, que não foi ultimada.

Diagnósticos e perspectivas

O ano não trouxe grandes mudanças no quadro jurídico eleitoral. Mas não foi perdido.

A realização dos plebiscitos no Pará aprofundou a democracia participativa brasileira, acentuando o caráter direto do exercício da soberania popular, agora em tema de natureza estadual. Embora não se trate de experiência absolutamente inédita (o Acre, por exemplo, em 2010, já havia respondido um referendo sobre o fuso horário no Estado), foi a primeira vez em que um processo de divisão estadual foi debatido pela população.

Os julgamentos ocorridos no STF placitaram a não aplicação da Lei da Ficha Limpa para a eleição passada, mas não esclareceram, de uma vez por todas, se suas regras são constitucionais e se serão aplicadas nas eleições vindouras. Isso deverá ocorrer em 2012.

Os outros debates foram sem maiores efeitos nas vigas-mestras do sistema político. Foi um ano interessante, mas que, por não haver encerrado ciclos, deixará para a agenda de 2012 discussões palpitantes, que se misturarão aos pleitos municipais.

(*) José Rollemberg Leite Neto é sócio do Eduardo Antônio Lucho Ferrão Advogados Associado e membro da Comissão de Reforma do Código Eleitoral, do Senado.

 

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