Inovar para quê?
Atualmente, o valor da inovação é tão amplamente reconhecido e naturalizado que a pergunta do título pode parecer estranha num primeiro momento. Afinal, quem questionaria o valor de algo vinculado ao desenvolvimento tecnológico e ao progresso econômico e social?
Essa visão estritamente positiva da inovação, substantivada na forma de uma resposta quase mítica para qualquer tipo de problema, obscurece diversos aspectos importantes da mudança tecnológica e social, como a complexidade do processo, suas contradições e contingências. Além disso, o uso indiscriminado do termo, como um fim em si mesmo, acaba por abrir brechas a discursos vazios, rótulos sem conteúdo e mitificações tautológicas, como “inovar em inovação”.
Nem sempre, porém, foi assim. Segundo pesquisas historiográficas, durante muito tempo o termo inovação teve um significado pejorativo, como algo associado à subversão, a mudanças indesejadas nas ordens estabelecidas, servindo, inclusive, de arma linguística em disputas religiosas e políticas, como no caso da Reforma Protestante e da Revolução Francesa. A virada de sentido só teve início em meados do século XIX, quando a conotação positiva, vinculada ao progresso, passou a conviver com a negativa, associada a algo herético, que contraria a ordem e a tradição. Essa passagem ocorreu gradualmente e, não por acaso, teve como pano de fundo uma época marcada pela transformação nas formas de compreender a relação com o passado e com as tradições.
A ressignificação completa ocorre somente em meados do século XX, quando ‘inovação’ passa a expressar o desenvolvimento e a comercialização de invenções ou novos bens que incorporam, principalmente, o conhecimento da pesquisa científica. Nessa conversão, a inovação deixa de estar associada à subversão e se torna um conceito básico de política econômica: o motor do desenvolvimento econômico, capaz de reduzir atrasos ou falhas na produtividade e elevar a competitividade de países e empresas.
Mais recentemente, inovar tornou-se palavra de ordem para organizações administrativas de diferentes naturezas (inovação econômica, inovação pública, inovação social, etc.). Muitas vezes, porém, o termo é utilizado de forma vaga, como algo vinculado à modernização e oposto a estruturas arcaicas, ou como eufemismo para processos de desestruturação e desregulamentação de setores em favor de atores específicos – o que acaba por esvaziar o conceito de qualquer tipo de disputa, relação de poder e eventual contingência.
Logo, tão importante quanto questionar as razões para inovar é indagar para onde e como inovar. Principalmente, se considerarmos o momento atual, em que desafios como mudanças climáticas, desindustrialização, transições energéticas e novas epidemias assomam no horizonte.
Em parte, é a isso que propostas “normativas” de inovação buscam responder ao adjetivar tanto seu processo de elaboração, com maior ou menor participação do público nas deliberações sobre a inovação (inovação inclusiva, livre, democrática), quanto seu resultado, com ênfase nas considerações sociais, éticas e ambientais da novidade (inovação sustentável, responsável, ecológica). Isto é, propostas de desenvolvimento e introdução de novidades baseadas em imperativos morais, métodos específicos e objetivos determinados.
Longe de implicar uma centralização autocrática da inovação, essas propostas evidenciam a importância do debate sobre a forma e o sentido da novidade, bem como a necessária participação de atores, públicos e privados, com diferentes competências e recursos nesse processo.
Dessa forma, a “qualidade” das inovações, como no caso da inovação sustentável, opera como um norte para a identificação de problemas derivados da atividade humana e para a elaboração de estratégias que busquem responder a estes desafios pela promoção de padrões de produção, distribuição e consumo menos nocivos ao ambiente.
Esse é o caso de políticas de inovação orientadas para uma missão (mission-oriented innovation policy), como o bilionário programa de financiamento para pesquisa e inovação Horizonte Europa, uma das ações previstas no recente Green Deal Europeu – conjunto de políticas e estratégias articulado pela Comissão Europeia a fim de conter a ameaça das mudanças climáticas e que promete atingir a neutralidade climática do continente até 2050.
Isso não significa que a inovação seja a resposta para as mudanças climáticas ou para outros problemas sociais atuais. Ainda mais quando utilizada discursivamente como uma panaceia, como um valor abstrato desprovido de contradições. Mas é inegável seu potencial de transformação e de superação das fronteiras do conhecimento estabelecido, principalmente quando orientado por políticas públicas claras, sistêmicas e de longo prazo.
(*) Rodrigo Foresta Wolffenbüttel é doutor em Sociologia pela UFRGS, pesquisador colaborador junto ao Grupo de Estudos da Inovação (GEI), vinculado ao PPGS da UFRGS.