Intolerância religiosa é poder
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião, para odiar, as pessoas precisam aprender”, possivelmente você deve ter lido ou escutado a epígrafe acima em algum lugar. Nos últimos anos a citação, escrita pelo ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, tem me acompanhado e vem sendo introduzida em algumas palestras e cursos. A citação acima, que “resume” boa parte das lutas de Nelson Mandela contra o racistas e o apartheid na África do Sul, tornou-se uma das maiores epígrafes contra todas as formas de preconceitos. Ao pontuar que “aprendemos a ser” Mandela nos traz para dentro dos debates das construções sociais e imagéticas sobre o outro, que estão intimamente atrelados à ideia de poder. E talvez, esta seja a citação que melhor resume o que constitui uma das facetas das intolerância, ideia de poder. Poder este, que é expressado pelo viés intelectual, político, religioso, histórico e social e arregimenta as relações sociais cotidianas.
De certo, sabemos que nascemos identificados e diferenciados biologicamente e que, ao longo desta “construção”, enquanto pessoa, consumimos e somos levados consumir construções diversas. Em resumo, somos “educados”, desde a primeira infância, sobre construções diversas através das redes sociais que atravessamos cotidianamente. E são esses atravessamentos, forjados dentro das nossas redes sociais e conectados à ideia de poder, que nos conduzem para a construção da nossas identidades e das identidades dos “outros”, que vêm perdurando ao longo dos tempos. E é justamente sobre estas construções do outro e sobre o outro que venho pontuando, pois são essas construções, nutridas por extremismos, fanatismos e preconceitos, que fomentam a intolerância religiosa no Brasil e dissemina o ódio. Ora, tanto por trás das ações de intolerância como de racismo estão em seu centro a ideia de superioridade X inferioridade e as construções sobre a identidade do outro.
A escritora Grada Kilomba, em seu livro "Memórias da Plantação", pontua que no racismo estão presente três características; a construção da diferença, valores hierárquicos que juntos formam o terceiro ponto que é preconceito. A autora ainda pontua que ambos os processos estão intimamente ligados e acompanhados pelo poder histórico, poder político, poder social e poder econômico. Tal pontuação não é em nada diferente quando verificamos as bases das construções da intolerância religiosa em nossa sociedade. E ao debruçar meus olhos sobre a história das perseguições religiosas no Brasil fica ainda mais evidente um total descompromisso das autoridades públicas em coibir e combate o crescimento da intolerância religiosa. Acredito que o maior desafio, para todos nós não é, apenas, construir uma sociedade antirracista e mais tolerante. Mas sim, compreender que as pontas soltas que nos conectam fortalecem cotidianamente os processos de invisibilidade e sistematização do racismo e da intolerância.
(*) Ivanir dos Santos é professor, doutor e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosas (CCIR)