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Intolerância religiosa é poder

Ivanir dos Santos (*) | 30/09/2020 07:34

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião, para odiar, as pessoas precisam aprender”, possivelmente você deve ter lido ou escutado a epígrafe acima em algum lugar. Nos últimos anos a citação, escrita pelo ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, tem me acompanhado e vem sendo introduzida em algumas palestras e cursos. A citação acima, que “resume” boa parte das lutas de Nelson Mandela contra o racistas e o apartheid na África do Sul, tornou-se uma das maiores epígrafes contra todas as formas de preconceitos. Ao pontuar que “aprendemos a ser” Mandela nos traz para dentro dos debates das construções sociais e imagéticas sobre o outro, que estão intimamente atrelados à ideia de poder. E talvez, esta seja a citação que melhor resume o que constitui uma das facetas das intolerância, ideia de poder. Poder este, que é expressado pelo viés intelectual, político, religioso, histórico e social e arregimenta as relações sociais cotidianas.

De certo, sabemos que nascemos identificados e diferenciados biologicamente e que, ao longo desta “construção”, enquanto pessoa, consumimos e somos levados consumir construções diversas. Em resumo, somos “educados”, desde a primeira infância, sobre construções diversas através das redes sociais que atravessamos cotidianamente. E são esses atravessamentos, forjados dentro das nossas redes sociais e conectados à ideia de poder, que nos conduzem para a construção da nossas identidades e das identidades dos “outros”, que vêm perdurando ao longo dos tempos. E é justamente sobre estas construções do outro e sobre o outro que venho pontuando, pois são essas construções, nutridas por extremismos, fanatismos e preconceitos, que fomentam a intolerância religiosa no Brasil e dissemina o ódio. Ora, tanto por trás das ações de intolerância como de racismo estão em seu centro a ideia de superioridade X inferioridade e as construções sobre a identidade do outro.

A escritora Grada Kilomba, em seu livro "Memórias da Plantação", pontua que no racismo estão presente três características; a construção da diferença, valores hierárquicos que juntos formam o terceiro ponto que é preconceito. A autora ainda pontua que ambos os processos estão intimamente ligados e acompanhados pelo poder histórico, poder político, poder social e poder econômico. Tal pontuação não é em nada diferente quando verificamos as bases das construções da intolerância religiosa em nossa sociedade. E ao debruçar meus olhos sobre a história das perseguições religiosas no Brasil fica ainda mais evidente um total descompromisso das autoridades públicas em coibir e combate o crescimento da intolerância religiosa. Acredito que o maior desafio, para todos nós não é, apenas, construir uma sociedade antirracista e mais tolerante. Mas sim, compreender que as pontas soltas que nos conectam fortalecem cotidianamente os processos de invisibilidade e sistematização do racismo e da intolerância.

(*) Ivanir dos Santos é professor, doutor e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosas (CCIR)





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