Lei Rouanet entre críticas e o impulso à economia criativa
ALei Rouanet tem despertado discussões frequentes e fortes críticas, em parte pela falta de transparência no processo de aprovação, pela ocorrência de captação dos recursos por parte de artistas já consolidados e pelas dificuldades enfrentadas por parte de artistas emergentes para conseguirem aprovação das suas propostas.
Estas são situações que incomodam tanto a sociedade quanto parte do meio artístico, e a redução ou mesmo solução de boa parte destas críticas não são complexas, pois ampliar a transparência em cada uma das fases do processo fortalecerá o programa diante da sociedade, dos artistas que se candidatam e dos órgãos de controle. Mas vamos procurar entender um pouco melhor este cenário. Em primeiro lugar é importante se contextualizar que a Rouanet é um mecanismo de incentivo fiscal à cultura, por meio do qual os artistas ou membros da sua equipe submetem um projeto cultural que, ao ser aprovado, permite que empresas que possuem impostos a pagar destinem uma parte destes valores para patrociná-lo.
Assim os proponentes (pessoas ou artistas que tiveram projetos aprovados) têm autorização de captar os recursos junto a empresas, em geral de grande porte. Neste ponto, surge uma situação, em que muitas empresas preferem apoiar projetos de artistas já renomados para assim associar suas marcas enquanto patrocinadores a artistas “famosos”. É neste ponto que surge uma das críticas mais ácidas, que a Rouanet financia artistas famosos. Porém, há de se entender o contexto empresarial que tem a liberdade de escolher qual projeto vai patrocinar e, na maioria dos casos, os artistas emergentes acabam sendo preteridos.
Um desdobramento desta restrição é a dificuldade que muitos artistas emergentes e/ou aqueles que estão em fases iniciais da carreira têm em aprovar os projetos no âmbito da Lei Rouanet. Isso se deve pela falta de experiência e/ou conhecimentos sobre elaboração de projetos, falta de recursos financeiros para contratar equipe de suporte para acessar empresas. Esta limitação pode ser minimizada com cursos on-line sobre o passo a passo para preparar propostas, uma vez que a falta de pessoal especializado na redação de projetos, ou melhor as restrições financeiras que um artista iniciante enfrenta os impedem de contratar profissionais que os auxiliem na elaboração de projetos competitivos, levando a baixa taxa de aprovação por parte deste grupo que deveria ser um dos focos do programa. Uma medida mais contundente para ampliar o acesso de artistas emergentes é o estabelecimento de percentuais de aprovação das propostas vinculadas ao tempo de carreira e/ou abrangência artísticas. Assim, poderia ser criado um limite para o montante total dos valores dos projetos aprovados para artistas consolidados, e um limite mínimo para o número e montante de recursos para artistas emergentes.
Em ambos os casos, a ampliação dos mecanismos de transparência de todas as etapas da Rouanet auxiliaria fortemente na redução das críticas e muito provavelmente contribuirá para um maior entendimento por parte da sociedade dos mecanismos deste incentivo fiscal,
Há, no entanto, um outro conjunto de críticas por parte de uma parcela da sociedade que não percebe “valor” no investimento que a Lei Rouanet possibilita. Esta falta de sensibilidade pode estar associada à falta de valorização das artes e dos movimentos artísticos como um todo.
Quando um artista ou um coletivo realiza um espetáculo, uma exposição de arte, um show etc., além dos benefícios de viabilizar o acesso à arte para os integrantes da sociedade, há um benefício econômico, que em geral não é percebido. Este benefício decorre do que se denomina economia criativa. Associado a toda ação artística há uma cadeia produtiva que é demandada para a realização das atividades artísticas. Há um conjunto enorme de pessoas, que não são os artistas, mas são profissionais que trabalham diretamente e indiretamente nas diferentes etapas necessárias para se viabilizar, por exemplo, um espetáculo, uma exposição, um show. Há a geração de emprego para aqueles profissionais que estão diretamente envolvidos como produtores, cenógrafos, coreógrafos, montadores, equipe de som, assessores de imprensa, profissionais de mídia etc., como também aqueles que realizam atividades indiretas de suporte como transporte e logística, segurança, limpeza e alimentação. E ainda temos a geração de renda nas localidades devido ao turismo cultural, o qual pode inclusive transformar ou no mínimo fortalecer a economia local. Esta geração de emprego e renda associada à economia criativa necessita ser mensurada para se quebrar as restrições e preconceitos associados aos investimentos na área de artes.
Esta percepção dos impactos da economia criativa pode se tornar mais robusta com a descentralização da realização dos projetos fomentados fora dos grandes centros culturais, ou seja, levar para fora das capitais os investimentos em cultura, de forma a primeiro dar acesso à cultura para a população que, em geral, tem menos opções de usufruir de ações culturais e, em segundo lugar, incentivar a economia local pela criação de opções de lazer nestas cidades. A lógica de permitir que as empresas destinem seus impostos devidos para patrocinar projetos aprovados pela Lei Rouanet, também passa pela intenção de tornar mais acessível, com ingressos mais baratos ou mesmo com uma parte gratuita a uma parte da população, ampliando assim as chances de acesso à cultura. E em paralelo se criar ou fortalecer a economia criativa em regiões onde estas ações culturais não aconteceriam devido aos custos elevados. Novamente, uma parte significativa das críticas poderá vir a ser mitigada com acesso às informações sobre os projetos, e principalmente sobre os benefícios gerados pela LR às localidades de execução dos projetos.
Diante deste cenário, existem uma série de melhorias com potencial a serem discutidas e implementadas, entre elas, destacam-se:
• Como primeira e mais urgente medida, ampliar a transparência do processo de aprovação dos projetos;
• oferecer treinamento para artistas que estão começando na elaboração das propostas;
• definir percentuais e/ou limites para projetos a serem aprovados para artistas consagrados e artistas emergentes;
• mapear a geração de emprego e renda proporcionados pelos projetos na economia local onde os projetos aprovados;
• incentivar/Priorizar a realização dos projetos fora dos grandes centros culturais;
• ampliar os mecanismos de acompanhamento e transparência na execução dos projetos;
• realizar esforços de sensibilização junto às empresas para que as mesmas optem como maior frequência na realização dos patrocínios (destinação dos recursos) para projetos de artistas emergentes.
(*) Geciane Porto é professora titular da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP.