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Megaprojetos: o mágico mundo de OZ ou o inferno de Dante nas pequenas cidades?

Mário José de Souza Neto (*) | 21/11/2023 09:11

Em cidades pequenas, geralmente com uma base de economia agrária, o anúncio do investimento de bilhões em grandes projetos, como os de mineração, celulose e hidrelétricas, costuma ser recebido como a perspectiva de portas que se abrem ao progresso.

Algo como os ventos poderosos que transportaram a menina Dorothy, a personagem de O Mágico de Oz, da cinzenta Kansas para um mundo colorido e vibrante. Mas nem tudo é perfeito. Em Oz, como Dorothy acaba por descobrir, também existem bruxas más.

Nessas mega implantações, os impactos positivos vêm acompanhados de outros que, sem os cuidados necessários, podem trazer impactos negativos para a vida da comunidade.

O Brasil possui vários exemplos em que o sonho virou pesadelo – lugares que viram a desejada ascensão do PIB (Produto Interno Bruto) local chegar junto com a indesejada queda do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).

Aumento da violência, rupturas culturais, carências na educação e na saúde e o surgimento de moradias precárias, causadas pela especulação imobiliária e falta de planejamento urbano adequado, locais sem saneamento e outros serviços necessários... As “bruxas” podem vir de várias formas.

Como fazer para que esses grandes empreendimentos tragam crescimento, gerem empregos, atraiam outras indústrias e serviços e demais benefícios que se esperam deles sem causar este impacto indesejável na comunidade?

A resposta é: com um planejamento que começa anos antes da implantação, elaborado a partir de um princípio básico: conhecer para pertencer. Projetos de setores como os citados no início deste artigo têm como característica ficarem em operação por longas décadas. São casamentos de longuíssimo prazo com as cidades onde se instalam.

Precisam ser cultivados desde a primeira troca de olhares, bem antes da troca de alianças. Isso significa desenvolver o projeto com a sociedade civil e não à revelia dela, ou seja, trazer para o planejamento estratégico os principais stakeholders.

Para isso, é necessário ouvir a comunidade, identificar quem são as principais lideranças – a dona da farmácia, o funcionário do posto de gasolina, a professora da escola municipal etc. – e, por meio de técnicas estruturadas de escuta ativa, entender quais são as expectativas e os temores dos diferentes grupos em relação ao empreendimento.

Alguns serão entusiastas do crescimento e modernização da cidade. Outros falarão do medo de perder sua cultura ou ver a pacata rotina do lugar desaparecer. Haverá ainda aqueles que temem que o potencial aumento de consumo de bens e serviço acabe migrando para a cidade vizinha, com estrutura mais atrativa para os novos moradores.

Escutar a comunidade é investir no conhecer – etapa sem a qual é impossível construir pertencimento e uma relação saudável e sustentável para o empreendimento e para a comunidade. Não custa lembrar que o ‘casamento’ pode começar mal já na fase de implantação, quando esses megaprojetos podem praticamente duplicar a população da cidade.

Alojamentos centralizados, distantes da área urbana e abastecidos com serviços básicos necessários, por exemplo, podem evitar o caos e minimizar os impactos de alojamentos descentralizados, instalados sob a responsabilidade de cada prestador contratado para a obra, sem padrões e governança comum e por consequente sem possuir a visão do todo e dos possíveis reflexos na vida dos cidadãos, por exemplo.

Igualmente importante é a conexão com as autoridades que terão de lidar com todas as demandas de saúde, educação, saneamento básico, malhas viárias, lazer e outros aparatos públicos. Um projeto de grande porte tem de andar de mãos dadas com o plano diretor da cidade.

Município, Estado e empresa têm de caminhar juntos desde a fase de planejamento e, depois, na implantação. Pular a fase de planejamento e ir direto para a implementação da obra é jogar do lado das “bruxas”: os impactos indesejados virão, pois ninguém se preparou para evitá-los ou mitigá-los.

Transparência, escuta ativa, diálogo, construção conjunta de caminhos e compromissos claros são ingredientes indispensáveis da receita para demonstrar o genuíno propósito da empresa em fazer com que o melhor aconteça e construir relações de confiança.

É daí que emerge uma inteligência coletiva no sentido de colocar os interesses da coletividade sempre acima do individual. E cria um senso de responsabilidade compartilhada que gera muito mais valor do que projetos que tornam a comunidade ou o município dependentes da empresa.

O mapeamento propiciado pelas informações do processo de escuta da comunidade e autoridades, e o diagnóstico para entender os gaps e os pontos de melhoria tornam-se a base para traçar um planejamento estratégico consistente.

Esses dados também alimentam o estudo de impacto ambiental (incluindo os relacionados a meio ambiente e os econômicos e sociais) e permitem gerar um plano de mitigação de impactos e riscos robusto em todas as frentes, que é o coração desse planejamento.

Alguns planos de mitigação e riscos, não poucas vezes, são elaborados com o mesmo espírito do aluno que estuda para passar na prova e não para aprender. São centrados no objetivo de obter a licença ambiental. Estudos ambientais e planos de mitigação e riscos construídos a partir do conceito de ‘conhecer para pertencer’ são ferramentas de gestão.

São nutrientes que fertilizam o solo para que o projeto seja sustentável na implantação e ao longo de toda a sua vida, fazendo florescer o econômico, o social e o ambiental.

No mundo encantado de OZ, são seres mágicos que ajudam Dorothy e seus amigos na superação dos desafios. Na realidade da implantação de um grande projeto não é necessário mágica.

Essencial é a conscientização de todos os stakeholders da necessidade do planejamento integrado, da construção de uma inteligência coletiva genuinamente preocupada com os interesses da comunidade, que começa com o conhecer, estabelece laços para o pertencer e tece um futuro do que verdadeiramente podemos chamar de progresso.

Um futuro em que PIB e IDH seguem a mesma linha ascendente.

(*)Mário José de Souza Neto é diretor de Desenvolvimento e Novos Negócios da Arauco.

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