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O Estado é o elefante, os criminosos são os ratos

Por Luiz Flávio Gomes (*) | 11/11/2013 14:09

Valendo-nos de uma simbologia (imagem do elefante e dos ratos), torna-se possível dar uma ideia do que vem ocorrendo com o tradicional sistema punitivo brasileiro, que é, em termos de velocidade e de intensidade, um verdadeiro elefante: pesado e lento. Os criminosos, excepcionando alguns tontos que tudo fazem para ser pegos, são verdadeiros ratos. São ágeis, astuciosos, manhosos.

Ao longo do século XX, mas particularmente depois da Segunda Guerra Mundial, acreditou-se que seria possível conter ou controlar (“combater”) os ratos com o velho elefante (com o sistema penal tradicional), desde que alguma mobilidade extra lhe fosse dada. O legislador, assim, se encarregou de iniciar a sua deformação colocando algumas rodas mecânicas nas suas patas, ou seja, aprovando incontáveis leis penais.

Logo se percebeu que a velocidade do elefante, mesmo já deformado, ainda assim, era incompatível com a rapidez da criminalidade (dos ratos). O processo de motorização e, depois, de turbinação de suas patas deu-se nas três últimas décadas do século XX assim como na primeira do século XXI: modificação constante do Código penal, agravamento das penas, abuso das prisões provisórias etc.

Consequência: o elefante (o sistema punitivo tradicional) tornou-se irreconhecível. Mas nem assim todos os ratos foram devidamente punidos (ou deixaram de cometer seus crimes). O lento elefante hoje está bastante parecido com um hipopótamo ou com um dinossauro. Estrangularam e deformaram o velho elefante (o velho sistema penal), que a cada dia vai perdendo suas configurações clássicas (e ganhando um novo “design”). No lugar da tromba estão colocando chifres e assim por diante. Mas a eficácia do sistema continua extremamente precária.

A impunidade, que é inerente a todos os sistemas penais, no Brasil, continua muito alta. A força da lei penal (do castigo penal) incide em pouquíssimos casos (menos de 10%, consoante Baratta, citado por Vera Pereira de Andrade, 2012, p. 139). Quando o criminoso é pego (selecionado) e é mandado para o cárcere, aí ele percebe o quanto é pesado (e desumano) esse castigo.

Praticamente tudo que a Europa e os Estados Unidos inventaram para “combater” a criminalidade aqui se testou (particularmente nos últimos 40 anos). De 1940 a agosto de 2013 foram aprovadas 149 leis penais, sendo 72% punitivas. Foi com esse formato mastrodôntico que o sistema penal chegou no século XXI: hipertrofiado, confuso, caótico e populista (veja nosso livro Populismo penal midiático: Saraiva, 2013) etc.

Trata-se de um elefante completamente deformado! Ainda continua andando lentamente (leia-se: o sistema penal funciona uma vez ou outra, seletivamente) e é pouco eficaz na prática (o índice da cifra negra aumenta a cada dia). Quanto atua, entretanto (leia-se: onde coloca sua pata), faz um estrago tremendo: a força e o peso da sua pata praticamente esmagam os ratos que são alcançados. Mas são poucos os criminosos processados e condenados. Beccaria dizia (em 1764) que seria melhor penas não tão rígidas, mas certas, infalíveis. No Brasil fazemos o contrário: penas duras, para incidir em poucos casos. O criminoso, de cara, já sabe que sua chance de impunidade é de mais de 90%. Todos os anos o Brasil gasta mais com segurança (veja números do Fórum da Segurança Pública) e nada de diminuir os crimes. Estamos fazendo a política errada, puramente repressiva. Sem prevenção, nunca o crime vai baixar.

Luiz Flávio Gomes é jurista e presidente do Instituto Avante Brasil e co-editor do Portal Atualidades do Direito ao lado de Alice Bianchini. 

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