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O que um dia era estimativa, hoje é realidade

Eduardo Assad (*) | 31/08/2022 09:05

Nos últimos anos, alguns dos cenários indicados pelo Cepagri/Unicamp e a Embrapa no trabalho, Aquecimento global e a nova geografia da produção agrícola no Brasil, publicado em 2008, começaram a se materializar. Eles indicavam que poderiam ocorrer perdas na agricultura se prevalecesse o princípio da inação, ou seja, se nada fosse feito para evitar perdas de safras.

Até o ano de 2009, a discussão era teórica apesar dos fortes indicativos de que algo estava acontecendo na agricultura mundial e com maior frequência. Obviamente que quando se trata de agronegócio, o Brasil está incluído por ser um grande produtor de grãos e de carne. Infelizmente, ainda existem os que acham que somos uma ilha de “agroprosperidade” em um mundo de invejosos. Cresceu muito o negacionismo climático nestes últimos quatro anos.

Generais desavisados, pseudocientistas fabuladores, alguns produtores rurais, autoridades públicas - que além de dizerem que não há mudança climática, defendem que a Terra é plana - não se cansaram de divulgar falsas informações para o público, aproveitando a visibilidade que têm na mídia. Algumas associações de produtores rurais contrataram negacionistas para fazerem palestras aos agricultores que, utilizando sua retórica, conseguiram convencer que as mudanças climáticas não existem.

Mas fatos são incontestáveis. A temperatura está subindo em níveis alarmantes e as consequências começam a aparecer aqui e no exterior.

Alguns exemplos mostram a gravidade dos impactos das mudanças climáticas na produção agrícola. Este ano na França, está havendo um desabastecimento da mostarda de Dijon. Ondas de calor no Canadá, que exporta 80% das sementes utilizadas para fabricação da mostarda, provocaram uma queda de safra de mais de 50% no produto. Resultado, os franceses terão que comer filé com fritas sem mostarda.

Mais recentemente, uma onda de calor, com temperaturas acima de 40°C, provocou a morte de mais de dez mil bovinos no estado do Kansas, nos Estados Unidos. Mesmo fenômeno foi observado em 2019, na fronteira do Brasil com a Argentina. Na América do Sul, a intensidade foi menor do que no Kansas, mas foi o primeiro registro observado. A explicação é que, além do calor repentino durante o dia as temperaturas não cedem no período noturno. Em geral, o organismo dos animais bovinos pode lidar com altas temperaturas, desde que o animal tenha algumas horas para se esfriar no período noturno. Passar pelo calor extremo de dia, sem possibilidade de um resfriamento adequado à noite e, na manhã seguinte, já ter que encarar temperaturas altíssimas, leva os bovinos a um estresse térmico que os leva a morte. Ou seja, ambiência animal é coisa séria.  Por outro lado, a solução é relativamente simples: manter árvores no pasto reduz muito o efeito das ondas de calor. São mais de dez graus de diferença entre o pastejo a pleno sol e o pastejo na sombra. Por isso tem-se defendido muito a integração pecuária floresta.

Desde a década de 2011-2020, a Unicamp tem feito alertas neste sentido. As ondas de calor podem provocar óbitos nos bovinos, nos “pintos de um dia” (aves voltadas para produção de carne e de ovos) e em frangos, além de reduzir a produção de vacas leiteiras e provocar o abortamento em porcas gestantes.

Com a cultura de grãos é mais grave. O Cepagri/Unicamp tem alertado desde 2008 que são crescentes os riscos de perdas na produção de grãos. As regiões mais afetadas neste estudo, contemplam o sul do Mato Grosso do sul, oeste do Paraná e de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Nos últimos 10 anos, foram registrados oito anos com perdas de produtividade no Rio Grande do Sul, o que contesta a afirmação de que as secas são cíclicas. A região vive uma situação dramática do ponto de vista climático, tendo enfrentado por três anos sucessivos fenômenos como La Niña, que aumentam o risco de seca na região Sul. A espacialização de dados de produtividade, levantados pelo IBGE, evidenciam a variação das perdas no Rio Grande do Sul, entre 2010 e 2020.

Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, indicam que as perdas por seca na região Sul ultrapassaram 34% do esperado, em valor estimado a 45 bilhões de reais.

Na citricultura, as condições climáticas dos últimos meses levaram o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) a reduzir em 10,21%, ou 30 milhões de caixas, a sua estimativa da safra de laranja para 2021/22 no cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo-Sudoeste Mineiro. Na comparação com a safra 2020/21, a redução é de 7,8%, impacto significativo para o maior produtor de suco de laranja do mundo. Inúmeros estudos feitos no Brasil e fora daqui indicam importante vulnerabilidade da agropecuária no enfrentamento às mudanças do clima.

A agricultura apresenta um forte potencial de mitigação de gases de efeito estufa, principalmente pela capacidade do setor de diminuir as emissões de dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4) com práticas adaptadas. Quanto à adaptação, os sistemas integrados de produção agrícola representam uma alternativa, a agricultura de baixa emissão de carbono, com expressivo potencial de adaptação. Mas para tanto, não podemos alcançar um aumento de 2 graus na temperatura do planeta nos próximos anos.

Negar as mudanças climáticas e seus impactos na agricultura é caminhar rapidamente para o desabastecimento e para a insegurança alimentar. E, com a fome, possivelmente novas guerras surgirão.

(*) Eduardo Assad é pesquisador associado do CEPAGRI/UNICAMP e professor do Mestrado Profissional em Agronegócios do Programa de Pós-graduação da FGV/EESP. Coordenador do subprograma “Segurança Alimentar” do INCT-Mudanças Climáticas (FAPESP/CNPq).

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