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O Rolo e o Livro

Por André Gustavo de Melo Araújo (*) | 30/10/2023 08:30

Em menos de um de segundo, o buscador apresentou mais de 700 milhões de ocorrências da palavra “livro” em sítios eletrônicos. Ao menos no meu navegador, as imagens associadas aos resultados da busca apresentavam um artefato de papel, frequentemente aberto ao meio e valorizado pelas palavras impressas que se encontram distribuídas nas páginas. Ao procurar visualizar o que a ferramenta de busca contemporânea identificava com a palavra “livro”, acionei a barra de rolagem com o objetivo de encontrar a primeira dissonância. Quase 300 imagens após a primeira, surge um dispositivo eletrônico. Na fotografia publicada em um banco de imagens e projetada na minha tela, o dispositivo conhecido como “e-reader” é cautelosamente retirado de uma estante repleta de produtos concorrentes em papel.

Enquanto que o papel é uma invenção chinesa que data dos primeiros séculos da Era Cristã, as primeiras tentativas de impressão ocorreram no continente asiático, no início do século VIII d.C. Hoje, acredita-se que a arte da impressão se desenvolveu no continente europeu apenas séculos à frente e de forma independente dos métodos asiáticos. De todo modo, certo é que os produtos da prensa europeia, dentre os quais se destacam os livros impressos, passaram a ocupar espaço nas mesas e nas estantes de todo o globo, impulsionados sobretudo pelas iniciativas políticas e econômicas de ordem colonial.

Em Lisboa, parte dos livros impressos ao longo do processo de expansão do império português foi destruída por um terremoto em 1755. O resultado material da reconstrução dessa coleção chega ao Brasil na primeira década do século XIX. Inicialmente, os artefatos impressos foram depositados “no andar superior do Hospital da Ordem Terceira do Carmo”. Mas uma vez que essas instalações foram consideradas inadequadas, a coleção portuguesa logo foi transferida, “atendendo ao disposto no decreto de 29 de outubro de 1810, para as catacumbas do Convento do Carmo. Essa data passou a ser considerada a [data] de fundação da Biblioteca Nacional”, sendo esse o motivo pelo qual hoje se comemora o dia do livro no Brasil.

Ocorre que nem todos os artefatos que podem ser considerados um livro à época das primeiras tentativas de impressão, do terremoto de Lisboa ou nos dias atuais encontravam-se – ou agora se encontram – dispostos verticalmente em estantes. No início da década de 1750, centenas de pergaminhos carbonizados dispostos na forma de rolo foram encontrados na Vila dos Papiros, uma residência particular localizada na antiga cidade romana de Herculano, próxima ao Vesúvio, na Itália. A longa faixa de pergaminho deveria ser desenrolada durante a leitura, para que se revelasse o conteúdo do texto disposto horizontalmente no suporte da escrita. Apenas há duas semanas, as primeiras tentativas de desenrolar virtualmente esses rolos carbonizados obtiveram algum êxito. Na imprensa, relata-se a expectativa de se “expandir significativamente o número de textos que sobreviveram desde a antiguidade. Já há especulações entusiasmadas”, de acordo com a reportagem recente, “sobre peças esquecidas, novas obras de filosofia — ou mesmo poemas épicos perdidos.”

No mês em que se comemora o dia do Livro no Brasil, também celebramos a possibilidade de que em breve acionemos as barras de rolagem de dispositivos eletrônicos para desvendarmos o conteúdo de peças esquecidas e poemas épicos outrora depositados em rolos que agora se encontram carbonizados. Seja na coleção de textos depositados na antiga cidade romana de Herculano, na Biblioteca Real portuguesa ou apresentados na pesquisa realizada em buscadores eletrônicos, os livros surgem como exemplo – e evidência – de uma forma histórica de produção, registro e circulação da informação. Eis o que hoje não merece ser esquecido.

(*) André Gustavo de Melo Araújo é professor de História Moderna no Departamento de História da Universidade de Brasília.

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