Ombros, sempre necessários
Minha pilha de leitura aumenta a cada dia. Não consigo ler na mesma velocidade de minha curiosidade, principalmente agora que São Paulo perdeu sua livraria mais tradicional, mas ganhou outras, com ambiente agradável e bons títulos, em meio a uma avalanche de livros de autoajuda e de receitas para o sucesso.
Lembrando que comecei com os Fourier de Walter Benjamim, passei pelas formas da natureza de Darcy Thompson, chego a Umberto Eco, polímata de escrita precisa e textos refinados. Perambulando pelas livrarias, o título Nos ombros dos gigantes convidou-me à leitura.
O livro contém doze textos sobre saberes diversos, criados para o festival La Milanesiana, dirigido por Elisabetta Sgarbi, cineasta italiana. Os temas abordados são variados: ombros de gigantes, beleza, feiura, absoluto-relativo, invisível, segredo e mentira.
Chamou-me a atenção, particularmente, o primeiro, cujo título é o mesmo da obra que me faz lembrar professores de física que atribuem a frase a Sir Isaac Newton, ao enunciar suas três leis da Mecânica Clássica.
A lenda corrente diz que Newton, em um rasgo de modéstia, cunhou a expressão: “Enxerguei longe porque apoiei-me em ombros de gigantes”. Entretanto, ao que parece, havia nessas palavras certo sarcasmo dirigido a Robert Hooke, físico inglês, seu contemporâneo e rival, conhecido pela expressão matemática da força elástica.
Sobre a originalidade da frase, o texto de Eco nos remete às origens do aforismo, muito anteriores aos trabalhos daquele que é considerado o criador da física-matemática, cujos princípios moldaram grande parte do progresso científico e tecnológico atualmente em curso.
Continuando no texto do ilustre filósofo nascido em Alexandria, com importante trajetória acadêmica e literária na Itália, aprendo que o aforismo é atribuído a Bernardo de Chartres, filósofo francês que viveu no século 12. Há, ainda, a conjectura de que possa ter surgido seis séculos antes e atribuído a Priscianus Caesariensis, gramático latino nascido na cidade norte-africana de Cesareia (a moderna Cherchell, na Argélia).
Deixando as questões de modéstia e originalidade de lado, penso no significado da preposição “dos” que pode levar às perguntas: quem são os gigantes? Será necessário realizar uma obra científica de grande notoriedade para ser “ombro” de um próximo pesquisador?
Todos os dias, estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado trabalham nos laboratórios desenvolvendo pesquisas em associação com seus colegas e orientadores. Uns são ombros dos outros. Trabalhos relevantes nascem de colaborações mútuas, hoje facilitadas pelo desenvolvimento das comunicações.
Alguns anos após terminar meu trabalho de doutorado, tive a oportunidade de receber para um programa de pós-doutorado um pesquisador que, na época, estava interessado em estudar modelos matemáticos para sistemas biológicos, tema considerado arrojado para aquele momento. O jovem pesquisador, Luiz Monteiro (Zula), vinha de um trabalho em Física de Plasmas, tinha excelente formação matemática e escrita científica irretocável.
Para o órgão de fomento que atribuiu a bolsa, eu era o supervisor do programa e o Zula, o supervisionado. Entretanto, sempre trabalhamos em colaboração. Com ele aprimorei minha escrita e meus atributos de pesquisador. Ele embrenhou-se nas malhas de sincronismo que eu havia estudado no doutorado.
Revendo meus trabalhos reconheço a grande contribuição recebida e o ombro competente que ajudou no meu desenvolvimento.
Todos reconhecem que Zula é pesquisador de sucesso nas áreas relacionadas à Dinâmica dos Sistemas Complexos e seus livros são verdadeiros clássicos. Posso, então, emprestar o aforismo: fiz alguma pesquisa pois recebi a ajuda dos ombros de um gigante.
Falando em ombros, lembro com saudade de quando minhas filhas eram pequenas e se divertiam penduradas nos meus ombros, achando que eu era um gigante.
(*) José Roberto Castilho Piqueira é professor da Escola Politécnica da USP
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