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Meio Ambiente

Mineração e agropecuária podem destruir paisagem da Serra da Bodoquena

Segundo agência, já há pedido de pesquisa para mineração em quase toda Serra da Bodoquena

Por Lucas Mamédio | 18/06/2024 06:30
Mapa com os limites da Serra da Bodoquena à esquerda e outro com solicitações de mineração à direita, em azul (Foto: Reprodução)
Mapa com os limites da Serra da Bodoquena à esquerda e outro com solicitações de mineração à direita, em azul (Foto: Reprodução)

 A região do Parque Nacional da Serra da Bodoquena é uma das áreas mais deslumbrantes de Mato Grosso do Sul. Criado em novembro de 2000, como parte de um esforço da União para preservar a região, tem 76.400 hectares de extensão.

Situada na borda sudoeste do Complexo do Pantanal, se destaca por ser um importante "encrave" de Mata Atlântica em meio ao bioma Cerrado, abrange as cidades de Porto Murtinho, Bonito, Jardim, Miranda e Bodoquena.

Nos últimos anos, toda a região vem sendo objeto de interesse de atividades que são diametralmente opostas à conservação deste ecossistema. Dentre essas atividades estão a agropecuária e mineração.

Região da Serra da Bodoquena, em azul, verde claro e vermelho, as áreas de solicitação de pesquisa
Região da Serra da Bodoquena, em azul, verde claro e vermelho, as áreas de solicitação de pesquisa

Segundo último relatório de Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), elaborado pela Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), a região tem importantes reservas de calcário dolomítico e calcítico, fosfato e mármores, que servem para correção de solo em atividades agrícolas.

A estes bens minerais se somam a extração de água mineral, folhelho, filito (indústria cimenteira) granitos (brita e rochas ornamentais) e materiais de uso na construção civil (areia, cascalho e basalto) e na indústria cerâmica (argila).

De acordo com os dados disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração, as empresas que realizaram operações envolvendo minério em Mato Grosso do Sul até Junho de 2023 somaram 156 empresas.

Tais empresas produziram em CFEM, ainda conforme relatório, mais R$ 36, 5 milhões. Esses números representam, respectivamente, 93,41% do verificado em todo o ano de 2022. Considerando o período entre 2015 e 2023, a arrecadação da CFEM somou R$ 381,71 milhões, enquanto operaram em média 149 empresas. Desconsiderando o ano de 2023, os valores mostram uma tendência de aumento em relação a quantidade de empresas e de aumento no que diz respeito a arrecadação.

Mineradora Horii em Bodoquena praticamente acabou com o verda na região. (Foto: Paulo Francis)
Mineradora Horii em Bodoquena praticamente acabou com o verda na região. (Foto: Paulo Francis)

Isso mostra que mais empresas têm pedido autorização para exploração de minérios na Serra da Bodoquena. Segundo mapa do Sistema de Informações Geográficas da Mineração (SIGMINE), mantido pela Agência Nacional de Mineração, há solicitação de pesquisa, pesquisas em andamento, pedidos de lavra, bem como explorações sendo executadas em quase toda Serra da Bodoquena.

É impressionante como os polígonos com autorização de pesquisa, em azul, uma das primeiras fases para se iniciar o processo de licenciamento, toma boa tarde de uma região específica de Mato Grosso do Sul, que se colocada ao lado do mapa da Serra da Bodoquena, parece ser o mesmo lugar, não por acaso, é.

Outro ponto dos polígonos que chama atenção é o vermelho, onde já há concessão de lavra. Pelo SIGMINE, é possível perceber que a maioria das áreas concedidas estão na cidade de Bodoquena, a 264 km de Campo Grande.

Minerador Betione em Bodoquena, em tarde de exploração. (Foto: Paulo Francis)
Minerador Betione em Bodoquena, em tarde de exploração. (Foto: Paulo Francis)
Placa indicando distância da mineradora Betione, em Bodoquena (Foto: Paulo Francis)
Placa indicando distância da mineradora Betione, em Bodoquena (Foto: Paulo Francis)

São lavras concedidas desde 1974, como é o caso da Horii Agro Industrial, a primeira a obter concessão e que tem como proprietários os familiares do prefeito de Bodoquena, Kazuto Horii (PSDB), que administrou a empresa até se afastar para iniciar seu mandato, em 2016.

Ainda em Bodoquena, pelo menos mais outras duas mineradoras realizam extração de bens minerais, a Betionne que trabalha com calcário e a IterCement, indústria de cimento.

Bonito, a 74 km de Bodoquena, é outro polo de mineração que atrai cada vez mais empresas. Em visita à cidade, foram vistos pelo menos três lavras de mineração de três empresas diferentes, inclusive uma a pouco mais de  500 metros do Balneário Municipal.

Pensando nas ameaças ambientais com as quais Serra da Bodoquena convive, dentre as principais a mineração e lavoura, mas não só, um grupo de pessoas criou o coletivo Grupo Unidos Serra da Bodoquena, cujos membros fazem parte da sociedade civil e podem ser especialistas ou não.

Mapa mostrando distância entre mineradora em Bonito e Balneário Municipal em cima e foto de parte do pátio de mineração da mesma empresa (Foto: Reprodução/Paulo Francis)
Mapa mostrando distância entre mineradora em Bonito e Balneário Municipal em cima e foto de parte do pátio de mineração da mesma empresa (Foto: Reprodução/Paulo Francis)

A ideia do coletivo é tentar proteger a Serra da Bodoquena denunciando casos de abuso por parte da iniciativa privada ou negligência pelo poder público.

Taynara Moraes é educadora ambiental nascida e criada em Bonito. Ela é membro do Unidos Serra da Bodoquena e ataca, principalmente, o arcabouço legal vigente, por ser fraco e dar margem para degradação em níveis alarmantes.

“Eu não conheço mas o lugar onde nasci. Toda essa água cristalina da região é de uma especificidade, que é o solo seu nível de calcário. Toda essa atividade de desmatamento, extração de bens minerais, afeta os rios e você vê rio turvando (ficando sujo) de um jeito que não se via antes”.

Os rios da região são conhecidos por suas águas muito cristalinas e de gosto salobro. Tal transparência se deve a nascente com pouquíssima turbidez (pouca sujeira). Nas nascentes, rochas calcárias muito puras evitam a presença de argila.  Este calcário presente nos rios que vêm das rochas presentes nas nascentes age como um filtro, depositando as impurezas no fundo, onde rochas encontram-se em permanente dissolução e através de fraturas no solo formando cavernas, abismos e condutos subterrâneos.

Imagens do Rio Salobra em tom natural, uma das riquezas da região. (Foto: Prefeitura de Bodoquena)
Imagens do Rio Salobra em tom natural, uma das riquezas da região. (Foto: Prefeitura de Bodoquena)

“A área proposta para o Parque, além do indiscutível interesse científico, é de fundamental interesse para preservação dos atrativos turísticos em exploração na região de Bonito, Jardim e Bodoquena. Isto porque trata-se de um maciço rochoso calcário elevado onde as águas infiltram e ressurgem na planície abaixo, formando os olhos d’água e os rios de águas límpidas e transparentes. As águas apresentam carbonato de cálcio dissolvido, o que proporciona o crescimento das cachoeiras de tufas calcárias que formam conjuntos de rara beleza cênica”, explica em artigo o professor Paulo César Boggiani, geólogo formado e com doutorado pela Universidade de São Paulo, tendo atuado como professor na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

A área de grãos no município de Bonito cresceu 26% entre 2014 e 2018, em uma proporção seis vezes maior que a do estado de Mato Grosso do Sul, de acordo com levantamento de impactos feito no âmbito da estudo de impactos da implantação da Rota Bioceanica. Em 2010, eram 5.400 hectares de milho, passando para 32.250 em 2018.

Carreta se movimenta para retirada de material de mineradora em Bodoquena (Foto: Paulo Francis)
Carreta se movimenta para retirada de material de mineradora em Bodoquena (Foto: Paulo Francis)
Mineradora em Bodoquena ao fundo, encoberta pela pouca vegetação que restou. (Foto: Paulo Francis)
Mineradora em Bodoquena ao fundo, encoberta pela pouca vegetação que restou. (Foto: Paulo Francis)

A soja foi de 14.200 hectares para 46.000 no mesmo período. Já em Jardim, em 2010, a área de soja era de 2.500 hectares e em 2018, alcançou 11.084 hectares. A de milho saiu de 1.400 hectares para 8.879 no mesmo período.

Taynara propõe uma legislação mais específica para Serra da Bodoquena, cuja principal opção seria o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), instrumento legal que demarca um território a fim de desenvolvê-lo economicamente aliado com a conservação ambiental.

“É preciso criar leis específicas para Serra da Bodoquena. Um desenvolvimento que vai contra nossos recursos naturais, não faz sentido. São atividades concorrentes, ecoturismo e mineração com lavoura”

Não é exatamente a mesma ideia de Boggiani, mas ele sugere que a preservação ocorra de forma mais efetiva. “Deve-se deixar muito claro, portanto, que a manutenção de forma intacta da área sugerida para o Parque Nacional da Serra da Bodoquena é de extrema necessidade para a continuidade da atividade turística das áreas de entorno, ou seja, como o avanço do desmatamento sobre aquela área, todos os atrativos da região encontram-se seriamente ameaçados, assim como a crescente atividade turística da região”.

Lavra de mineração em Bonito, com terreno limpo para o trabalho. (Foto: Paulo Francis)
Lavra de mineração em Bonito, com terreno limpo para o trabalho. (Foto: Paulo Francis)

Ainda conforme Taynara, a mineração tem uma agravante em relação à atividade agropecuária. “Caso haja um zoneamento que estabeleça que em tal lugar não pode mais ter lavoura, em 10, 15 anos de trabalho de reflorestamento o lugar pode voltar a ter características próximas a original. Já quando você coloca um morro a abaixo, no caso da mineração, não tem como subir de novo”.

Cavernas - Uma espeleologista, profissional da espeleologia, a ciência que se dedica ao estudo das cavernas, e que não quis se identificar, conta que várias das cavernas na região são ameaçadas por conta da mineração e agropecuária.

De acordo com CNC – Brasil (Cadastro Nacional de Cavernas), Bodoquena tem 14 grutas cadastrada sendo a Gruta Dente de Cão, localizada no Canaã a segunda maior do estado, e Gruta do Clarão a menor. O Buraco das Abelhas da cidade de jardim é a maior com 1.900m e a Gruta do Clarão a menor com 27m.

Quato cavernas que são atrações turísicas em Bodoquena (Foto: Bodoquena News)
Quato cavernas que são atrações turísicas em Bodoquena (Foto: Bodoquena News)

A mais conhecida da região de Bodoquena é a Gruta do Urubu Rei, localizada na região do Distrito de Morraria Sul, a gruta esta a uma altura de 15 metros. Seu nome se deve a concentração dessas aves. Possui uma trilha íngreme que acompanha uma corredeira, possui nascente e uma cascata de aproximadamente 10 metros na sua facha frontal.

No Assentamento Canaã, a Caverna do Morro do Jericó é a terceira maior de Bodoquena, com 258,21m. Sua localização é através de trilhas a margem e por dentro das águas cristalinas do córrego Canaã.

"Existe uma quantidade numerosa de espécies novas catalogadas em cavernas da Serra. É uma biodiversidade que precisa ser preservada, mas que sofre demais com atividades antrópicas (realizadas pelo homem)", lamenta a especialista.

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