Os efeitos patrimoniais da união estável na terceira idade
Atualmente, a união estável ostenta efeitos jurídicos semelhantes aos do casamento. No Brasil, deixou o limbo das relações jurídicas para ocupar papel fundamental na sociedade, à medida que possui o condão de formar núcleo familiar reconhecido e tutelado pelo Estado. Esse reconhecimento foi abraçado pela Carta da República de 1988, a qual conferiu tratamento isonômico ao lado do matrimônio como apto à formação de entidade familiar, nos termos do art. 226, § 3°.
As Leis nº 8.971/04 e 9.278/96 foram confeccionadas para suprir a lacuna legal existente, de forma a normatizar as relações patrimoniais advindas da união estável, haja vista o silêncio da norma constitucional quanto a esses efeitos. Essa evolução da união estável culminou com a edição do Código Civil de 2002. Nele, o legislador contemplou expressamente, em seu art. 1.725, que se aplicam a ela, no que couber, as regras do regime de comunhão parcial de bens.
De outro vértice, o art. 1.641, inciso II, do mesmo códex prevê que pessoas maiores de 70 anos, ao contrair matrimônio, o fazem obrigatoriamente sob o regime de separação de bens. Assim, existe uma patente disparidade legal entre pessoas com mais de 70 anos que convolam núpcias e aquelas que apenas optam por conviver em união estável. Isso porque para as primeiras ser-lhe-ão aplicados obrigatoriamente os efeitos jurídicos da separação obrigatória de bens. Por sua vez, para os conviventes idosos, existe uma lacuna legislativa, na exata medida em que aquele dispositivo legal se refere apenas ao casamento, sem fazer menção à união estável.
Disso resulta a pergunta: para os septuagenários que convivem em união estável seria aplicável a regra do art. 1.641, inciso II do Código Civil (regime de separação obrigatória de bens), não obstante esse artigo deixe de falar em união estável, ou, ao revés, teriam como regramento jurídico o regime de comunhão parcial de bens, à luz da regra geral do mencionado art. 1.725 do Código Civil?
Essa aparente lacuna enseja uma reflexão doutrinária e jurisprudencial sobre o instituto, a fim de se avaliar as consequências da aplicação dessa norma aos septuagenários convivendo em união estável. Para tanto, parte-se da premissa de uma interpretação sistemática entre os dois dispositivos supracitados para se inferir que essa regra deve ser espelhada à união estável. Isso porque o art. 1.725 do CC dispõe que se aplica supletivamente o regime da comunhão parcial de bens aos companheiros, com a ressalva da expressão “no que couber”. Disso resulta que, ao se interpretar essa norma com a prevista no art. 1.641, inciso II do CC, chega-se à conclusão que se denota incabível a adoção do regime de comunhão parcial de bens para os companheiros maiores de 70 anos que optarem por conviverem união estável, aos quais deve-se aplicar o regime da separação de bens, sob pena de fraudar a lei.
Outrossim, essa restrição legal deve ser observada nos contratos de união estável celebrado por pessoas maiores de 70 anos, que também devem observar compulsoriamente as regras do regime de separação obrigatória de bens. Ressalve-se que no caso de o casamento ser precedido de união estável, a regra do art. 1.641 não é aplicada, facultando nesses casos aos companheiros septuagenários optarem pelo regime de bens que lhes aprouver, visto que o objetivo da norma é impedir um golpe patrimonial e não teria sentido admiti-la em casos em que os companheiros angariaram patrimônio comum anterior.
Porém, sob prisma constitucional, toda a discussão envolvendo aplicabilidade do art. 1.641, Il do CC às uniões estáveis fica relegada a um segundo plano, e eis que se entende que esse dispositivo vilipendia a liberdade de escolha de pessoa capaz, não podendo o critério etário, de per si, constituir limitador da vontade, porquanto afronta o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, trazendo em seu bojo patente vício de inconstitucionalidade.
(*) Régis Santiago de Carvalho é advogado.
(*) Roberto Santos Cunha é advogado.