Por que combater a covid-19 negligenciando informações relevantes?
Qualquer gestor está a todo tempo tomando decisões e um bom gestor é aquele que, sistematicamente, acerta. Não por acaso, os gestores querem ter acesso, o quanto antes e de forma acurada, às informações que lhes auxiliem na tomada de decisão. Essa lógica vale para aqueles que ocupam posições de liderança no combate à epidemia do coronavírus. Podemos facilmente listar informações que seriam relevantes nesse caso: número de pessoas infectadas, número de óbitos, números total e disponível de leitos de UTI e de respiradores. Mais, esses gestores gostariam de ter essas informações atualizadas diariamente para cada município do país.
O número de infectados e de óbitos indica a extensão da epidemia e quão rápido ela avança ou recua ao longo do tempo. Informações sobre leitos de UTI e de respiradores disponíveis indicam se o sistema de saúde é capaz de atender novos doentes em estado grave. Portanto, essas informações são extremamente relevantes.
Infelizmente, a indisponibilidade de testes para a covid-19, ou a incapacidade de processá-los rapidamente nos impede de ter informações acuradas sobre o número de contaminados e de óbitos. Basta citar que no estado de São Paulo há vários testes não concluídos que se referem a pessoas que vieram a falecer. Como, muito provavelmente, um percentual desses testes terá resultado positivo, isso significa que hoje estamos subestimando o número de óbitos devidos à covid-19. Isso tem sérias implicações. Em particular, a gravidade do problema não vem à tona e as pessoas subestimam a importância do distanciamento social, pois, equivocadamente, acreditam que a crise não é tão intensa.
Não por acaso têm surgido diferentes estudos que buscam medir de forma indireta a extensão da epidemia do coronavírus no Brasil. Uma abordagem recorre à curva de casos da Coreia do Sul, país que realizou testes em massa. Outra abordagem utiliza o número de internações e óbitos por síndrome respiratória aguda grave. Essas abordagens são válidas, uma vez que não temos hoje a capacidade de realizar testes em massa.
Informações detalhadas e centralizadas do sistema de saúde nos municípios brasileiros deveriam existir, independentemente da atual epidemia. Com isso, poderíamos fazer uma melhor gestão durante esta epidemia, ou qualquer outra. Nesse sentido, o coronavírus está evidenciando tudo aquilo que já deveríamos ter organizado em nosso país.
Resta a nós contar com os dedicados profissionais da área da saúde, com os gestores públicos que levam a crise a sério, com as equipes técnicas que têm buscado estimar a real extensão da epidemia – número de contaminados e de óbitos –, e com o apoio de parte da população que tem condições de colocar em prática o distanciamento social.
Sem as informações ideais, resta a nós contar com estimativas da extensão da epidemia e com o esforço dos gestores para levantar as informações necessárias sobre a situação do nosso sistema de saúde, em particular o número de vagas em UTI. Uma medida tomada no estado de São Paulo que tem trazido informações relevantes para o combate à epidemia é o acompanhamento do distanciamento social via celulares. Ora, se a contaminação ainda for crescente, devemos monitorar e incentivar o distanciamento social. Caso contrário, o distanciamento pode ser abrandado. Em qualquer caso, informações sobre o grau do distanciamento social são úteis para uma gestão adequada da crise.
Até o momento da edição deste artigo, o governo federal tinha se mostrado oscilante quanto ao monitoramento do distanciamento social. Mesmo que o governo federal decida usar tal monitoramento, a simples oscilação surpreende qualquer bom gestor. Ora, se é possível termos mais informações relevantes, por que renunciar a isso? Faremos um trabalho melhor renunciando a informações valiosas?
Há pessoas que só querem informações quando estas são convenientes, e quando contrariam suas visões e levam a decisões que elas não querem tomar, preferem não tomar conhecimento dessas informações. Seriam estes bons gestores? Por óbvio, negar as informações não muda a realidade que elas refletem.
(*) Fábio Augusto Reis Gomes é professor do Departamento de Economia e vice-diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.