Precisamos falar de política industrial
No final dos anos de 1980, o Brasil era o sexto maior produtor industrial do mundo. Éramos um país com uma incrível diversificação industrial, rara na época. Sabíamos produzir quase tudo, até mesmo aviões, computadores, vacinas e qualquer produto eletrônico, incluindo-se seus componentes, como os semicondutores. Claro que alguns desses produtos eram mais caros que os análogos feitos em outros países, e às vezes a qualidade dos mesmos era sofrível – o que gerava muita crítica ao nosso “made in Brazil”.
Nesse clima, em 1990, foi eleito um presidente da República, Fernando Collor, cuja campanha eleitoral criticava a qualidade de nossos produtos, a ponto de chamar os automóveis aqui produzidos de “carroças”. Collor atendeu plenamente às pressões que vinham de fora para que facilitássemos as importações de produtos industriais, com a alegação de que o produto brasileiro não prestava, pois não era exposto à competição internacional. O que se dizia, na época, é que, na medida que fosse obrigado a competir com o estrangeiro, a competitividade do produto brasileiro melhoraria e a indústria nacional poderia evoluir em qualidade e sofisticação, e os preços seriam mais baixos.
Passados pouco mais de 30 anos, sabemos que aconteceu exatamente o contrário, ou seja, hoje não estamos nem entre os 15 principais produtores industriais do mundo e a manufatura, que era a quarta parte do nosso PIB naquela época, hoje não representa nem nove por cento do mesmo. O fato é que retrocedemos, e nos tornamos novamente um país agrícola. No entanto, as grandes potências e os países que conseguiram superar o atraso nas últimas décadas o fizeram porque deram grande importância à indústria de transformação. É o caso da China, da Coreia do Sul e de praticamente todos os países altamente desenvolvidos. No nosso caso, perdemos a indústria e nos concentramos na produção de commodities como soja, algodão, café, minério de ferro etc.
O importante é entender qual foi o nosso erro. Evidentemente, não foi simplesmente a abertura das importações, mas a forma como ela foi feita. O empresário brasileiro não teve tempo para se preparar, pois a abertura foi abrupta, de uma hora para outra e sem aviso prévio. A indústria têxtil, que era altamente exportadora e gerava milhões de empregos, sucumbiu em menos de cinco anos. O mesmo aconteceu com a de calçados. Se tivessem sido dados prazos e condições especiais para que as empresas brasileiras se modernizassem, colocando, por exemplo, o BNDES oferecendo financiamento e crédito, teria sido possível evitar a quebradeira que sucedeu à abertura.
Mas pior que isso foi a falta de um plano para o País e de uma estratégia industrial, situação que perdura até hoje. Esse plano teria que definir para cada setor da economia quais as chances de avançar, juntamente com uma avaliação sobre qual seria a vocação e habilidade do País, e onde não adiantaria se despender tempo e recursos. Isso recebe o nome de Política Industrial. Há um ano, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, lançou sua proposta, na qual analisou praticamente todos os setores industriais norte-americanos e estabeleceu quais são os mais e os menos prioritários para o desenvolvimento daquele país nos próximos anos. Claro que os mais importantes receberão vários tipos de incentivos, que incluem até mesmo proteção tarifária contra produtos importados, principalmente da China.
De tudo isso, precisamos tirar algumas lições e, principalmente, entender que nações também precisam ter uma estratégia industrial que não pode ser deixada ao sabor do mercado, ao contrário do que se falava nos anos de 1990. Nem mesmo os Estados Unidos, o país com a economia mais liberal do mundo, deixam de ter uma estratégia orientando sua economia, seus setores e o meio empresarial sobre quais serão as prioridades para o futuro.
(*) Paulo Feldmann é professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP.