Prevenção das doenças é prioridade
A pandemia do coronavírus, que acomete a espécie humana na maior parte do planeta, desperta reflexões que sugerem mudanças profundas no modelo de sociedade em vigor. O investimento prioritário na prevenção das doenças passa a ser reconhecido como pré-requisito insubstituível para a viabilização do conceito de vida saudável.
Os agravos da atual pandemia geram pânico alarmante nos contingentes populacionais de inúmeros países. As iniciativas assumidas internacionalmente priorizam ações destinadas a reduzir a transmissão do coronavírus. Implicam modificações do comportamento das pessoas; reduzem o acesso ao consumismo; restringem interações sociais sem limites; ressaltam a importância da higiene pessoal e ambiental; identificam produtos medicamentosos e nutricionais que devem ser evitados; e estabelecem a quarentena a ser cumprida para afastar as pessoas de aglomerações com alto risco de contaminação pelo vírus.
Tudo isso equivale à modalidade de prevenção, não apenas vacinal, a ser aplicada para preservar a saúde das populações. Demonstra grande avanço da sociedade ao perceber que as ações preventivas devem ser entendidas e adotadas em benefício do bem-estar do ser humano. Ademais, investimentos têm sido feitos na capacitação dos profissionais de saúde e nas unidades hospitalares adequadas ao tratamento das vítimas do coronavírus. Torna-se, assim, bem claro que as medidas preventivas passam a ser desencadeadas com a mais absoluta prioridade, sem perder de vista as iniciativas concernentes ao diagnóstico e terapêutica a serem assegurados aos pacientes.
As práticas preventivas incluem amplo espectro de procedimentos capazes de blindar o organismo humano contra os agentes etiológicos e circunstâncias sociais que desfazem a harmonia dos seus órgãos e sistemas, fonte única do bem-estar físico, mental e social do indivíduo. Assim, os fatores predisponentes às enfermidades que afetam o ser humano devem ser bem avaliados e efetivamente revertidos.
Diagnosticar, tratar e curar portadores de uma doença é importante, mas não permite erradicá-la do contexto em que vivem as pessoas. Esse grande avanço só foi alcançado pela vacinação concebida como técnica profilática e não terapêutica de uma doença. A vacina cria proteção imunológica contra os agentes capazes de gerar enfermidades nem sempre curáveis. É o que ocorreu com a varíola, completamente erradicada do planeta.
Na mesma lógica, diversas enfermidades já tiveram a prevalência reduzida por meio da imunização, tais como poliomielite, sarampo, coqueluche, tuberculose, caxumba. Trata-se do progresso alcançado pela prevenção vacinal. Restringe-se, é óbvio, ao contexto das doenças infecciosas. São aquelas que, desde o passado remoto da humanidade, causaram elevados índices de mortalidade.
O princípio da prioridade preventiva, a ser construído e preservado, envolve as modalidades patológicas a que se expõe o ser humano. De fato, vírus, bactérias, fungos e parasitas não são as únicas causas das doenças que se propagam. Segundo informação da Organização Mundial de Saúde, os mais elevados índices de mortalidade dos tempos atuais são os das doenças não transmissíveis, ou seja, não infecciosas. Decorrem de estresse tóxico, poluição atmosférica, poluição sonora e intoxicação por produtos os mais diversos que são agentes etiológicos de enfermidades potencialmente letais.
A saúde, entendida como o bem-estar físico, mental e social das pessoas, depende essencialmente do cenário ecológico em que vivem e convivem. Evidências científicas demonstram que a nova realidade ecológica do planeta é desfavorável a uma vida saudável da espécie humana. O meio ambiente da maioria das populações deteriora-se, expondo-as a grandes riscos de letalidade. O adensamento demográfico dos espaços urbanos é importante exemplo dos fatores patológicos que precisam ser revertidos em defesa do bem-estar dos habitantes.
As lições que se desdobram da atual crise pandêmica não se restringem ao agente etiológico em causa. São os amplos e sólidos fundamentos para a prevenção prioritária de outras modalidades de doenças, não infecciosas, causadas por tabagismo, estresse tóxico, poluição atmosférica, poluição sonora, alcoolismo, drogadição, acidentes de trânsito, entre outras. Nesse sentido, uma das providências indispensáveis é a educação de qualidade no ensino fundamental, incluindo-se a disciplina de educação em saúde. Com novas gerações bem-educadas, as pandemias desaparecerão.
(*) Dioclécio Campos Júnior é professor emérito da Universidade de Brasília. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, é mestre e doutor em Pediatria, ambos pela Universidade Livre de Bruxelas. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria e presidente do Global Pediatric Education Consortium (GPEC).