Qual parte do "fique em casa", as pessoas não entenderam?
A gente até faz piada com a pandemia de covid-19, porque - dizem – é parte do jeitinho do brasileiro rir de si mesmo, até nas piores situações. A profusão de memes circulando por aí é uma mostra desse comportamento. A meu ver, é uma espécie de “rir de nervoso”, ou “se chorar dá ruga, vamos fazer graça” (inclua aqui o seu ditado/máxima).
Mas o meu coração, ou o fígado, vem reagindo mais com bile do que sorrisos a tanta afronta às regras de cuidado no convívio social contra o contágio pelo novo coronavírus.
Pôxa (acrescente o palavrão mentalmente)! Vivemos grudados, se abraçando, beijando, confraternizando, fazendo churrasco, tomando tereré, até brigando, por toda a vida.
Custa, pela causa maior, parar um pouco, sossegar na sua casinha? Mas não, as pessoas parecem indispostas a entender a gravidade da situação. Cansa.
O perigo está distribuído ao nosso rodar, em partículas minúsculas, nos rondando. Quem vê cara, não vê coronavírus.
Se em Campo Grande, por circunstâncias ainda a serem esclarecidas, estamos sofrendo bem menos do que em outros centros, para que correr o risco, gente? É cansativo, repito.
Muitos parecem não estar nem aí. Fazem festa, e até enfrentam a polícia quando orientados a interromper a balada.
Já peço perdão, caso você não tolere ‘palavras feias”, mas a vontade que dá é usar a expressão chula e gritar: “vão para casa, seus arrombados!”.
Essa vontade me assalta quando vejo um “véio” na rua, de cara limpa, enfrentando os riscos. Surge quando deparo com fotos de criança sendo levada para orar em plena Avenida Afonso Pena, no meio da multidão, sem qualquer proteção, ou de molecada soltando pipa, de marmanjo suando para jogar vôlei na quadra da praça...
Olho para as imagens da fila dos desesperados aglomerados, para receber os R$ 600 do governo. Penso, qual é o sentido, gente, de tanto ajuntamento?
Em relação às pessoas da fila, me comovo, que fique claro. Mas também sinto raiva, destinada a quem colocou desempregados nessa situação. São trabalhadores, cidadãos dignos de todos os direitos previstos na Constituição, sendo submetidos à afronta pública, todo dia. Fico exausta mentalmente de ver.
Para essas pessoas, a tal da exaltação dos humilhados parece existir só na Bíblia mesmo, apenas para quem tem fé num outro mundo, aquele da salvação por Jesus.
Insisto. Tenho raiva. Não gosto disso. O sinônimo no dicionário é “acesso de fúria, cólera, ira”. Não é bom. Mas me invade esse sentimento. A cada cena de abuso, não me ocorre outra frase popular: “vão para casa, seus arrombados”. Assunto para terapia, eu sei.
No trabalho de jornalista, essencial neste momento, embora até quem está sentado na cadeira máxima do País desdenhe, combato essa sensação o tempo todo. Pois os maus exemplos chegam a toda hora.
Não gosto nem quero viver com “mau sentimento” aos meus semelhantes. Haja conversa no divã.
Para não jogarem na minha cara que não sou o supra-sumo do exemplo, obviamente posso e devo melhorar meu comportamento contra o “corona”. Levo broncas diárias por ser resistente à mascara, por exemplo. Preciso aprender.
Não estamos em tempos normais e o enfrentamento certamente nos tira do conforto da rotina. Adaptação é preciso. Respeito ao outro, também.
E é por mim, por você que está lendo, por seus velhos e por seus jovens, pelas crianças, para que a gente não vire estatística na curva da covid-19 que eu vou encerrar sem palavrão. “Vão para casa, queridos, por favorzinho”.