Reforma política ampla ou nova frustração nas urnas?
Há tempos vem ganhando corpo a mensagem de que o sistema político brasileiro precisa de reforma, ampla e estrutural. Não apenas de natureza formal e ritual, mas uma profunda reforma que aproxime o cidadão de seus representantes ou que proporcione a inserção deste na carreira política, hoje tão marginalizada.
Na cidade de São Paulo, viu-se a mensagem clara do brasileiro, diante das ausências que alcançaram 21,84% do eleitorado daquela Capital, dos 5,29% de votos em branco e dos 11,35% de eleitores que anularam o voto. No Rio de Janeiro, no segundo turno, o número de ausentes às urnas foi de 26,85% e 4,18% votaram em branco, além dos 15,90% que anularam o voto. Em Belo Horizonte as ausências alcançaram o percentual de 22,77% e os brancos 4,85% com 15,52% do eleitorado tendo optado por anular o voto.
Existe um nítido hiato entre o administrado e seus representantes, um distanciamento que se alarga em progressão geométrica, mesmo em tempos de maior acesso à informação através dos canais de comunicação de cada um dos Poderes, que proporcionam o acompanhamento pontual da atividade parlamentar, por exemplo. Citamos o processo de impeachment, que foi acompanhado de perto e teve a mais alta audiência entre os canais do Legislativo no período.
Certo é que o modelo representativo atual demonstra sinais de últimos suspiros, de clemência por reforma, que um novo modelo que aproxime o cidadão de seu representante e da política, através de mudanças de retomem a baliza democrática hoje tão combalida.
Um dos pontos primordiais é a adoção do voto distrital misto, com a eleição nominal de representantes por distrito e por circunscrição. Isto através de reserva de parte das vagas para distribuição por cada fração regional dos Estados e Municípios e outra parcela mantida para o modelo atual de abrangência em todo o território estadual e municipal.
Através dos representantes eleitos para as vagas distritais traríamos a pauta local e pontual para o debate, ligando mais diretamente a necessidade do jurisdicionado ao seu representante. As vagas de ampla representatividade territorial manteriam o debate sobre as questões de interesse macro dos Estados e Municípios, em cada caso.
A opção por votação nominal é a mais apropriada, justa e democrática, em detrimento dos votos em lista, que conduziriam ao risco de dominação ou mais precisamente apropriação das cadeiras do parlamento pelos “proprietários” das siglas partidárias.
Outra questão insustentável é a política partidária atual, com 35 partidos viventes e outros 29 em processo de criação. Creio, assim como todos, que não tenhamos 35 perfis ideológicos diferentes, muito menos 64!
Inegavelmente a grande maioria das agremiações partidárias não passa de fatiamento de nichos de poder político, de ferramentas eleitoreiras, de armas de guerra, mas nunca instituições político-partidárias com estrutura e pensamento singular, seja político, ideológico ou econômico.
O fator-maior da crise política do Brasil está assentado na multiplicidade partidária, uma vastidão de partidos sem identidades, dominados por poucos, construídos como fração de poder, visando influir no processo eletivo e na governabilidade, que gera uma constante rotatividade mesmo depois de fixada a posição acerca da fidelidade partidária.
Um dos fatores de solução urgente, a ser objeto de uma reforma, seria a fixação de cláusula de barreira, de desempenho, limitando a existência de partidos a um número mínimo de votos no processo eleitoral, com vedação à reeleição imediata da direção partidária, para com isso dar rotatividade no comando da agremiação e extinguir a figura do “dono do partido”.
Enrijecida a política de criação e manutenção de partidos políticos, em poucos anos teríamos um número adequado de siglas e, assim, teríamos uma formação e organização do parlamento conforme a posição ideológica dos candidatos, eleitos com maior identidade com os representados que o elegeriam. Hoje, o eleitorado não consegue acompanhar a carreira partidária de seus candidatos e muitas vezes sequer recordam em quem votaram em poucos meses após as eleições.
O fim das coligações já deveria ter ocorrido, também para findar com as manobras e barganhas de pequenas legendas de aluguel, utilizadas como instrumento momentâneo para candidaturas pontuais.
O fim da reeleição para o executivo é tema quase pacífico na contemporaneidade. Com este mesmo espírito, entendo que também devemos ter uma limitação do quantitativo de mandatos para o parlamento, para um máximo de três mandatos para Senadores, Deputados Federais e Estaduais e igualmente para Vereadores.
O objetivo é proporcionar a rotatividade no Legislativo e envolver o maior número de cidadãos na formação legislativa do Estado, dissolvendo esta nova fórmula de capitanias hereditárias que atualmente assistimos a cada eleição.
Ainda, seria fundamental a exigência de renúncia do mandato pelos parlamentares convidados a assumir cargos no Poder Executivo, evitando-se a barganha de cargos e o jogo de cadeiras em muitas votações mais polêmicas, criando um entrelaçamento e a quebra da autonomia entre os Poderes, além da elevação de um número considerável de suplentes na ocupação as cadeiras de titulares do Legislativo, desfigurando a decisão popular através do voto.
A extinção da figura do suplente de senador, nos moldes atuais, inegavelmente seria uma decisão circunspecta, pondo fim à tomada de cadeiras no senado por pessoas que alcançaram a ‘câmara alta’ sem a chancela cidadã, já que muitas vezes são indicações de familiares, doadores e outros interessados escolhidos pelo candidato/senador.
Observamos que a cada pico de crise política sempre volta à pauta a opção pelo parlamentarismo, como ocorrido no último processo de impeachment. No entanto, com esse cenário político-partidário gestando batches de partidos a cada ano é impossível se ter um sistema assentado no Legislativo, teríamos uma “Torre de Babel”, dada a imaturidade partidária e a falta de identidade ideológica, econômica e política. Resta-nos aguardar a sensatez voluntária ou acossada de nossos representantes na efetivação de uma reforma solida e profunda no derruído modelo atual.
Por fim, temos que aprender com cada eleição, e com esta última aprendemos que o eleitor/cidadão está desinteressado e sem identidade com a classe política, com ar de abandono, estado incompatível com o espírito da democracia, o que exige uma reforma rápida e profunda no sistema político, partidário e eleitoral brasileiro, do contrário nas próximas eleições gerais a frustração será abissal.
(*) Marcones Santos é advogado de Direito Eleitoral.
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