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Remuneração docente na educação básica pública

Nalú Farenzena (*) | 28/10/2022 08:30

Em 1994, no marco da Educação para Todos no Brasil, foi firmado o Acordo Nacional de Educação para Todos. Um ponto central desse acordo foi a garantia de planos de carreira e de piso salarial nacional para o magistério da educação básica pública, o qual seria de 300 reais para as/os habilitadas/os no nível médio para 40h semanais de trabalho. O Acordo foi engavetado na gestão governamental federal iniciada em 1995, mas a luta do movimento docente continuou aguerrida nesse item da agenda, principalmente levada adiante pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Dessa luta resultou, entre outros, a aprovação de normas nacionais da carreira do magistério e a inserção da exigência de piso salarial das/os profissionais da educação pública na Constituição Federal pela Emenda à Constituição n.º 53/2006. Também foi editada a Lei n.º 11.738/2008 – piso salarial profissional nacional para as/os profissionais do magistério público da educação básica, chamado de PSPN e fixado em 950 reais, a ser corrigido anualmente de acordo com a variação do valor mínimo nacional por aluno por ano (VAA) do Fundeb. Além do Piso, outra determinação basilar dessa Lei é a composição da jornada semanal de trabalho: máximo de 2/3 de aulas e, portanto, mínimo de 1/3 em outras atividades, comumente denominadas horas-atividade ou atividades extraclasse.

O que deveria ser considerado Piso e a composição de jornada (2/3-1/3) foram contestados por um grupo de governadores junto ao Supremo Tribunal Federal ainda em 2008. Passado um tempo, em 2011, o STF manifestou-se favorável ao Piso como vencimento inicial das carreiras; em 2020 o Supremo manifestou-se pela constitucionalidade da composição da jornada. Os governantes alegavam que os caixas não suportariam gastos bilionários. No caso dos governos estaduais, o pagamento do PSPN foi mais um pretexto para aprofundar políticas irresponsáveis de municipalização do ensino fundamental.

O PSPN de 2022 foi fixado em 3.845,52 reais para professoras/es com formação em Curso Normal de Nível Médio e jornada semanal de 40h. O valor atual é bem superior ao estabelecido na Lei de 2008, se considerada a variação da inflação; isso porque o reajuste anual leva em conta a variação do VAA mínimo do Fundeb, e este foi superior aos índices inflacionários em quase todos os anos depois da aprovação da Lei do PSPN. Tal fato tem levado a diversas contestações por parte de entidades representativas de executivos municipais e estaduais, as quais pleiteiam reajustes por índice inflacionário. O valor de 900 reais, corrigido pelo IPCA/IBGE para dezembro de 2021, resulta em 2.015 reais em torno da metade do valor do PSPN de 2022. O valor de 3.845 reais é três salários-mínimos, enquanto 2.015,45 reais é pouco mais de salário-mínimo e meio. Quem cogita pagar semelhante salário a um/uma professor/a? Há quem o cogite, por diversas razões, a começar pelas razões da responsabilidade e da austeridade fiscais, motivos que muitas vezes encobrem o não reconhecimento do magistério como categoria de trabalhadoras/es de mais alta qualificação e o descompromisso com as adequadas condições de atendimento educacional.

Para alguns, o pagamento das/os docentes é olhado tão somente como um custo contábil, descolado da sua conexão com as políticas públicas educacional e trabalhista.

O magistério público brasileiro espalha-se por milhares de redes de ensino, e nelas as/os professoras/es concursadas/os têm direito a plano de carreira, o qual requer a definição de critérios de posicionamento e progressão e a fixação das diferenças salariais entre as diferentes posições da carreira. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a Lei n.º 6.672/1974 (com a redação dada pela Lei n.º 15.451/2020) – Estatuto e Plano de Carreira do Magistério Público do RS – preceitua uma carreira com seis níveis (cada qual com uma exigência de escolaridade) e seis classes (às quais a/o docente estadual acede por avaliações alternadas de merecimento e antiguidade). Alguns valores de vencimentos em 2022 para professoras/es com 40h semanais e na classe A: nível 1, professor/a com Normal Nível Médio – 4.038 reais; nível 4, professor/a com especialização – 4.442 reais; nível 6, professor/a com doutorado – 5.249,95 reais (30% a mais que o nível 1). A maior parte das/os docentes está no nível 4, cujo vencimento inicial é apenas 10% maior que o do nível 1; ademais, 30% a mais como limite nessa linha de promoção é muito pouco, se considerado o esforço e investimento para cursar licenciaturas e cursos de pós-graduação.

Outra peça nessa composição da política de remuneração docente é a meta 17 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024, Lei n.º 13.0005/2014). Ela estabelece a equiparação dos rendimentos médios das/os professoras/es àqueles das/os profissionais com escolarização similar, o que deveria ser atingido em 2020. Nesse ano, segundo o Relatório do 4.º Ciclo de Monitoramento do PNE, do INEP, o rendimento médio das/os professoras/es com educação superior completa correspondeu a apenas 81,2% do rendimento das/os demais profissionais com educação superior. É mais uma meta do PNE que não foi atingida, mas provavelmente a situação seria pior se não existisse o PSPN.

A política de remuneração docente é assunto de interesse das/os profissionais que atuam ou que venham a atuar na educação básica. Você é licencianda/o? Não desista! Há recuos, mas também houve conquistas importantes nas duas últimas décadas na perspectiva da valorização salarial docente. Espero ter mostrado que o conhecimento das normas e da política da valorização docente é relevante, assim como o é a organização sindical, a fim de intervir coletivamente nas decisões públicas sobre o salário docente.

(*) Nalú Farenzena é professora titular da Faculdade de Educação da UFRGS.

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