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Um dos maiores desafios do século 21: os eventos extremos e a adaptação

Ana Maria Heuminski de Avila (*) | 09/05/2023 13:30

A região sudeste do Brasil possui um clima monçônico, com aproximadamente metade da chuva que cai o ano todo concentrada nos meses do verão austral (dezembro, janeiro e fevereiro).  A água em forma de vapor oriunda do Oceano Atlântico Tropical Norte é transportada pelos ventos alísios e é reforçada pela umidade proveniente da floresta amazônica. Ao encontrar a Cordilheira dos Andes, formam-se os rios voadores, principal fenômeno responsável pela grande quantidade de chuva no verão brasileiro.

Os municípios de Bertioga e São Sebastião, no litoral norte de São Paula, receberam respectivamente 682 milímetros (mm) e 626 mm de chuva em 24 horas, os maiores volumes de que se tem registro no Brasil, segundo o Cemanden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) . Trata-se, portanto, de um evento extremo, considerando que eventos extremos são raros e com alto potencial de gerar impactos negativos à sociedade.

Lugar algum está preparado para receber tal volume de chuva em tão pouco tempo, principalmente uma cidade do litoral de São Paulo. As condições naturais locais relacionadas à topografia, à geologia e ao clima, além do crescimento urbano desordenado, tornam a região com alto risco de desastres ambientais.

O Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), em seu quinto Relatório de Síntese (AR5), apresentou uma estrutura focada no conceito de “risco climático”, que se dá pela interação das dimensões definidas como “perigos”, “exposição” e “vulnerabilidade”. Os perigos climáticos representam o potencial para a ocorrência de eventos meteorológicos que causam impactos nas pessoas e em suas atividades. A vulnerabilidade refere-se à propensão ou predisposição de um elemento para ser adversamente afetado por algum perigo e inclui apenas as variáveis que representam sensibilidade e suscetibilidade aos eventos de inundações repentinas e deslizamentos de terra.

O relatório da Organização Meteorológica Mundial sobre o clima global de 2021 mostra que eventos climáticos extremos (inundações, secas, ondas de calor, tempestades etc.) levaram a centenas de bilhões de dólares em perdas econômicas e causaram um grande impacto em vidas humanas no mundo inteiro. No Brasil, segundo dados do Tribunal de Contas da União (TCU), entre 2013 e 2022, o governo federal gastou R$ 13,4 bilhões em recuperação e resposta a desastres e R$ 5,9 bilhões em prevenção.

O gasto com recuperação e resposta a desastres muitas vezes está associado com perdas de vidas, como é o caso do evento no litoral norte de São Paulo. Outro ponto relevante, ainda de acordo com o TCU, é que aproximadamente 50% dos municípios que solicitaram o apoio do governo não receberam alerta.

Segundo a Organização Meteorológica Mundial, os Sistemas de Alerta Antecipado são uma medida de adaptação climática comprovada, eficaz e viável, que salva vidas. Também o sexto Relatório de Avaliação de Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade do IPCC reconhece os sistemas de alerta precoce e as atividades de gestão de risco de desastres como opções de adaptação transversais essenciais, que aumentam os benefícios de outras medidas de adaptação quando combinadas.

Com relação ao evento extremo ocorrido no litoral norte de São Paulo, os modelos numéricos de previsão de tempo indicavam desde a terça-feira anterior, ou seja, com cinco dias de antecedência, com elevado grau de segurança, chuvas extremamente volumosas no litoral, em particular na Baixada Santista e no litoral norte. Já se apontava que os volumes poderiam superar 200 mm somente no final de semana, o que implicaria altíssimas chances de alagamentos, enxurradas, transbordamento de rios e deslizamento de terra.

A pergunta é: se os modelos previram 200 mm, e chuva ultrapassou os 600 mm, a meteorologia errou? Não, a meteorologia acertou. Os modelos numéricos tradicionais são construídos em cima de informações conhecidas com base na climatologia. Portanto, 200 mm seria um valor extremo, considerando que são esperados em torno de 240 mm para todo o mês de fevereiro naquela região.  Por conseguinte, tratava-se de um fenômeno previsível.

Há outros recursos essenciais que possibilitam prever tal magnitude do fenômeno com mais assertividade, como os radares meteorológicos de dupla polarização, com os quais se faz a denominada previsão imediata. Ela seria possível apenas com poucas horas de antecedência e é um recurso ainda pouco utilizado no Brasil, devido à restrição de sensores em lugares estratégicos de monitoramento e, sobretudo, ao alto custo do equipamento e de sua manutenção.

Ainda assim, existem muitos fatores entre um alerta da meteorologia e a tomada de ação. É muito difícil traduzir a informação meteorológica em intensidade e duração de um evento extremo (ou seja, perigo) em riscos reais para setores específicos e/ou locais, ou, ainda, para expressá-los em termos quantitativos, principalmente porque não temos conhecimento suficiente das implicações socioeconômicas e ambientais, incluindo informações sobre vulnerabilidades e exposição. Desastres desencadeados por extremos climáticos representam graves desafios sociais em uma gama de setores.

No Brasil, estamos vivenciando desastres de grandes proporções mais frequentes nas últimas décadas, mas ainda não temos uma cultura a respeito de alertas para tais eventos. De forma geral, essa necessidade vem ao encontro das agendas internacionais da ONU (Organização das Nações Unidas), como a iniciativa “Making Cities Resilient” MCR2030, e da Organização Meteorológica Mundial (WMO, sigla em inglês para OMM), que é proteger todas as pessoas contra os eventos meteorológicos extremos por meio de sistemas de alerta precoce.

O mundo está se desenvolvendo em uma escala sem precedentes. Segundo o Banco Mundial, nos próximos 20 anos, a população urbana nos países em desenvolvimento dobrará para 4 bilhões, enquanto a área urbanizada triplicará. O rápido crescimento ajuda a criar novas oportunidades, mas também traz sérios desafios sociais, econômicos e ambientais. O fardo dos desastres, conflitos, crimes e violência recai desproporcionalmente sobre os mais vulneráveis da sociedade: pobres, minorias, crianças, mulheres, idosos e pessoas com deficiência.

As comunidades urbanas e rurais em todo o mundo sentem cada vez mais a necessidade de enfrentar seus desafios e aumentar sua resiliência às mudanças climáticas e aos riscos de desastres.

(*) Ana Maria Heuminski de Avila é bacharel em Meteorologia pela Universidade Federal de Pelotas.

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