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Vacinas de RNA contra a covid-19 abrem uma nova janela no campo da imunologia

Valtencir Zucolotto e Rui Sintra (*) | 22/05/2021 08:35

As empresas Pfizer/BioNTech e Moderna arriscaram quase tudo em um curto espaço de tempo e conseguiram testar e produzir em larga escala duas vacinas com base em RNA contra a covid-19. Foi uma campanha exitosa que abriu uma nova janela no campo da imunologia.

Embora diversos pesquisadores no mundo estivessem trabalhando nessa vertente de pesquisa desde há algum tempo, o certo é que a pandemia obrigou que se acelerasse o desenvolvimento dessa tecnologia fantástica que tem como principal combatente o próprio corpo humano.

Todo o mundo já sabe que uma vacina tem o objetivo de “despertar” e “sensibilizar” o sistema imunológico, utilizando algum material extraído de determinadas bactérias, vírus, etc., para que o corpo humano desenvolva uma espécie de “memória”. Assim, quando determinadas bactérias ou vírus atacam, o sistema imunológico reconhece esse ataque e responde contra-atacando.

A emergência da pandemia da covid-19 obrigou que cientistas de todo o mundo se unissem em torno do desenvolvimento de diversas vacinas, tendo apostado naquelas que são tidas como convencionais, ou seja, com base no vírus propriamente dito, mas inativado, ou em seus fragmentos, cultivando-os em laboratório. Processo complicado e muito arriscado, contudo, exitoso, quando se fala em covid-19. E é claro que demora tempo.

Contudo, a janela da ciência se escancarou quando foi apresentada a proposta de desenvolver vacinas de RNA contra a covid-19, ou seja, produzidas em laboratório. A abordagem do RNA é um fato bastante interessante e importante porque esses RNAs, idênticos aos virais, são introduzidos dentro das células do sistema imune do corpo humano, induzindo-as a produzirem partes de uma proteína que o vírus também fabrica – chamada spike, facilmente identificada através de cada uma das pontas que já conhecemos nas imagens do vírus da covid-19.

Com a fabricação dessas proteínas, o sistema imunológico fica com uma espécie de “impressão digital” e, quando entra em contato com o vírus, ele reconhece imediatamente que aquilo é algo perigoso que não pertence ao corpo humano, e a partir daí desenvolve a imunidade.

Ao contrário do DNA, que é uma molécula relativamente mais estável e que se pode armazenar ao longo de meses e anos a temperaturas que variam entre 4° e -20°, o RNA é muito mais instável, degradando-se com bastante facilidade, motivo pelo qual o desenvolvimento de uma vacina RNA se torna extremamente complexa.

Foi para resolver esse problema que os cientistas decidiram introduzir o RNA em uma cápsula que pudesse travar (ou impedir) essa instabilidade a longo prazo – uma nanocápsula lipídica. Essa “roupagem” nanotecnológica evitou também que o RNA fosse degradado por enzimas do corpo humano.

No início dessa nova pesquisa os cientistas se debateram com uma contrariedade, que era a necessidade de manter a vacina a uma temperatura extrema de -80°, algo que foi rapidamente aprimorado até os dias de hoje, conseguindo mantê-la a uma temperatura ideal de -20º, algo que é compatível através da utilização de geladeiras industriais normais. Tudo isso foi graças à estabilidade que essa nanopartícula oferece para acolher o RNA, sendo que a partir daí o início da aplicação da vacina estava desenhado.

A área de nanomedicina designada “Smart Drug Delivery” já vem sendo estudada e desenvolvida há décadas, usando nanopartículas (ou nanocápsulas), algo que já é uma realidade consolidada nos laboratórios do GNano, em São Carlos, por exemplo.

Quando se administram essas nanocápsulas no corpo humano, dependendo de como elas foram preparadas, elas circulam por algum tempo no organismo até começarem a funcionar para aquilo que foram desenhadas. Por exemplo, se foram projetadas para atingir um tumor, elas podem se acumular nessa região, destruindo somente as células tumorais, algo semelhante ao que acontece no caso da vacina RNA. As nanopartículas vão para dentro das células, produzindo partes das proteínas do vírus da covid-19, fazendo com que o corpo comece a produzir uma resposta imunológica contra isso. Resultado: a pessoa fica imune. A importância da nanocápsula é que ela garante a atividade e estabilidade do RNA, de forma a que ele entre e permaneça no corpo, completamente ativo.

Apesar da tragédia da pandemia, algo de positivo aconteceu no campo da ciência no último ano. Estas pesquisas e testes já estavam sendo feitos anteriormente, obviamente em escala bastante reduzida e de forma experimental em seres humanos. Mas com a urgência para o desenvolvimento de vacinas para enfrentar o novo coronavírus, tudo isso foi aplicado em termos globais, trazendo com isso a consolidação da nanomedicina no mundo. Um imunizante guardado dentro de uma nanocápsula e destinado a bilhões de pessoas. Fantástico.

Estados Unidos, Alemanha, Áustria, França, Itália, Grécia, Portugal, Espanha e República Tcheca foram os primeiros países a administrar a vacina de RNA.

No Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano) na USP em São Carlos, em termos de nanotecnologia e diretamente relacionados com a covid-19 as pesquisas estão divididas em duas áreas distintas: diagnóstico e terapia. Na área de diagnóstico estão sendo desenvolvidos sistemas para detecção da covid-19, enquanto, que na de terapia, os trabalhos se direcionam para o encapsulamento de duas moléculas antivirais para combater a covid-19, nomeadamente para o tratamento da inflamação dos alvéolos pulmonares.

Trabalhos muitas vezes desconhecidos do público em geral, mas essenciais para que a ciência avance em favor da sociedade.

(*) Valtencir Zucolotto é professor e coordenador do GNano, do Instituto de Física de São Carlos USP, e Rui Sintra é jornalista.

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