Vírus Ebola: ameaça à saúde pública mundial?
Entre junho e novembro de 1976, em algumas cidades do Sudão e do Zaire
(atual República Democrática do Congo) foram registrados 598 casos de
pessoas com uma febre hemorrágica aguda, sendo que destas 427 morreram. Os
dois surtos foram investigados por equipes multiprofissionais de especialistas sob
a coordenação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Todos os aspectos
relacionados com a doença foram objeto de minuciosos estudos, incluindo as
manifestações clínicas, alterações laboratoriais e, sobretudo, a identificação do
agente causador daquela gravíssima doença que havia provocado uma taxa de
letalidade de aproximadamente 70%. Posteriormente, os especialistas concluíram
que se tratava de um novo vírus, cujo nome surgiu em decorrência do rio
chamado Ebola, existente na aldeia Yambuku, localizada no Zaire/República
Democrática do Congo e onde teve início a segunda epidemia, sendo a nova
doença denominada Febre Hemorrágica pelo vírus Ebola.
De 1976 até o momento foram registrados cerca de 20 importantes surtos
da doença, todos em países da África. O surto que está ocorrendo na Guiné,
Libéria e Serra Leoa nos dias atuais é, de longe, o mais grave de todos. Na última
semana de julho corrente a Organização Mundial da Saúde informou que o surto
registrado nestes três países havia acometido 1.323 pessoas, sendo que 729
delas faleceram, o que representa uma taxa de letalidade de 55%.
Ao longo de quase quarenta anos de estudos sobre a dinâmica de
ocorrência da doença, muitos aspectos sobre as formas de transmissão do vírus,
manifestações clínica e métodos diagnósticos foram esclarecidos.
A introdução do vírus Ebola entre seres humanos geralmente ocorre por
contato com órgãos, sangue, secreções e fluidos corpóreos de animais silvestres
infectados. Segundo a OMS, há diversas evidências de infecções associadas à
manipulação de primatas não humanos, antílopes, porcos- espinhos e morcegos
frutívoros (que comem frutas) infectados e que tinham sido encontrados doentes
ou mortos em florestas. A partir daí, a cadeia para a disseminação do vírus
assume perfil mais intenso, pois passa a ocorrer de pessoa a pessoa por contato
direto ou indireto. No mecanismo direto, há o contato de mucosas e pele com
solução de continuidade com órgãos, sangue, urina, suor, leite materno e sêmen
(onde pode permanecer por até dois meses), dentre outros fluidos corpóreos de
pessoas infectadas; na segunda opção, pode acontecer o contato indireto com
materiais contaminados por esses fluidos. Essa diversidade de fontes potenciais
de infecção, juntamente com a existência de precárias condições de vida e frágeis
sistemas de saúde têm gerado sentimentos de perplexidade e incertezas quanto
aos desdobramentos possíveis para a atual epidemia.
Diante das elevadíssimas taxas de letalidade, que em algumas províncias
chegam a 70%, duas perguntas têm sido repetidas pelos meios de comunicação:
1) a atual epidemia de Febre Hemorrágica pelo Ebola é uma ameaça à saúde
pública mundial? A resposta é não; 2) a atual epidemia causada pelo Ebola é o
maior problema de saúde pública da África?. A resposta também é não!!
Indiscutivelmente, o maior problema de saúde enfrentado pelo povo africano é a
fome, doença crônica que mata mais de seis milhões de pessoas todos os anos.
Depois da fome, há outras doenças igualmente graves, como a Aids, tuberculose
e malária, que, juntas, matam aproximadamente três milhões de pessoas todos os
anos naquele continente.
E o que é mais grave: todo esse cenário de dor e sofrimento vive
esquecido pela maioria dos governos das nações mais ricas do mundo, a
exemplo do massacre e humilhação a que está sendo submetido o povo palestino
neste momento.
A omissão e a indiferença diante da fome de grande parte do povo africano
nos fazem lembrar o silêncio de parte expressiva das autoridades e do governo
do estado mais rico do Brasil quando ocorreu o chamado massacre do Carandiru,
assim registrado pelos poetas baianos:
“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina
111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos,
Ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
e todos sabem como se tratam os pretos...”
(Caetano Veloso e Gilberto Gil).
*Rivaldo Venâncio da Cunha é doutor em Medicina Tropical – Coordenador Técnico da FIOCRUZ em MS
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