Após dias sem comida, só com água e cerveja, resgate é comemorado com churrasco
Pai e filho que contrataram serviço de barco ficaram desaparecidos por dois dias, assim como piloteiro
Foram dois dias perdidos no meio do Rio Paraguai, em pleno Pantanal sul-mato-grossense. Rodeados de animais silvestres e peçonhentos, pai e filho passaram noites em claro e, ao lado de piloteiro de barco alugado, viveram momentos de tensão e muito medo. Sem alimento, foram três garrafas de água, duas latas de cerveja e pescaria que garantiram a sobrevivência do trio.
Ainda assustado, o empresário Ricardo Luiz Cilião Bezerra, de 41 anos, conversou com a reportagem do Campo Grande News, na manhã deste sábado (21). Já em casa, após retornar de Corumbá, na tarde de ontem (20), ele relembrou a aflição de ficar tanto tempo sem comunicação.
“Não sei nem como descrever, foi horrível não saber onde você está, se você vai ser achado. O psicológico abalado foi a pior parte. Estar de volta é um alívio, mas eu ainda estou abalado e não consegui voltar à realidade. Tem horas que eu lembro e parece que foi um sonho”, relata Ricardo, que esteve perdido ao lado do pai Adilson Rodrigues Bezerra, de 66 anos, e do piloteiro Vicente Alves da Costa, de 54 anos.
O empresário explicou ainda, como tudo aconteceu. Como fazem todos os anos, um grupo de 12 pessoas da mesma família organizou a pescaria com antecedência. Na terça-feira (17), ao tentar voltar para barco-hotel, após saírem em embarcações menores, o trio acabou se perdendo e iniciando a saga pela região.
“Nós contratamos um barco hotel, que tem seus pilotos, e nós subimos uns braços do rio, mas todo mundo junto, entre três e quatro barcos. Nosso piloto resolveu voltar um pouco antes, uns 15 minutos, e na hora tinham duas saídas e ele acabou pegando a errada. Andou uma hora, até acabar o combustível, nos deixando à deriva. Quando ele percebeu já era uma 17h ou 18h, e não dava para voltar”, conta.
O empresário destaca ainda que o piloto não conhecia a região do sumiço. “Eu ainda tinha perguntado antes se ele já tinha ido para lá e falou que sim. Se ele tivesse falado que não, não teríamos nem ido. Se fosse para ir com piloto que não conhecia o lugar, eu mesmo pilotava, tenho autorização”, reforça.
Logo nas primeiras horas no meio do rio, as primeiras dificuldades. “A gente tinha três garrafas de água e três latinhas de cerveja. A água tomamos na primeira noite e não comemos nada. No outro dia, fomos rodando com o barco tentando achar algum recurso, uma saída ou moradores. Por volta das 15h paramos em um local que não tinha mais saída, sem alimentação e tomando água do rio. Ficamos embaixo de uma sombra, pesquei dois peixes, que o menino limpou e assamos com galhos, sem sal”, revelou.
Os três só voltaram a se alimentar cerca de 24 horas depois, quando novamente tiveram de pescar a refeição.
Resgate – Quase 48 horas depois de perdidos, o barulho de avião usado pelo Corpo de Bombeiros nas buscas reacendeu a esperança. “Nós escutamos o barulho do avião longe, o piloto [do barco] falou que podia ser dos Bombeiros e fomos para o meio do rio. Mas, até a gente conseguir chegar, ele já tinha passado”.
Os três então voltaram para a sombra, na beira do rio. Depois, ao perceberam nova aproximação da aeronave, Ricardo empurrou o barco com pai dentro pelas águas do Rio Paraguai, que com o chapéu conseguiu acenar.
“Meu pai abanou o chapéu, eles viram e viraram em cima. A gente já estava segurando, mas na hora desabamos, porque eu cheguei a pensar que morreríamos ali. As onças ficavam a noite em cima da gente...”, relembra Ricardo, emocionado e com a voz embargada.
Por falar em animais, Ricardo também diz ter sido pego de surpresa por uma das serpentes mais temidas, no Pantanal. “Ainda perdido, eu cheguei a andar pelo local, atrás de uma saída, e me deparei com uma sucuri. Voltei na hora”. De volta à cidade, o resgate foi comemorado com noite em churrascaria ao lado de amigos.
“Muito obrigado” – Passado o susto, o sentimento é de alívio e muita gratidão.
“Eu não vou dizer que isso foi bom, porque eu não desejo nem para o meu pior inimigo, foi um filme de terror. Mas serviu para muita coisa, principalmente, para me fazer pensar e querer melhorar. A gente vive em um mundo que se o celular corta um pouco, você se irrita. Ali eu não tinha nada, estava com o melhor celular, podia comprar coisas, mas nada disso resolvia. Me ajudou a entender que temos que dar mais valor a tudo, aos filhos, a família, aos amigos”, ressalta Ricardo.
Por falar em amigos, dois deles chegaram a se deslocar de Campo Grande para ajudar nas buscas em Corumbá. “Depois que eu soube de tudo o que todo mundo fez para nos encontrar, saber que dois amigos se deslocaram daqui só para ir lá para prestar assistência, que muita gente estava orando, com pensamentos positivos, me fez ter certeza de que são essas coisas que valem a pena. Sou muito grato a todas as pessoas”, finaliza.