Casais e mulheres se arriscam para engravidar com custo “quase zero”
Busca por doadores para “inseminação caseira” é vista como alternativa para quem não pode ir a clínicas
Um pouco de sêmen num potinho e uma seringa. É o que algumas mulheres precisam para realizar o sonho de passar por uma gestação e se tornarem mães, sem ter de fazer sexo ou recorrer a uma clínica de fertilização. Método controverso e arriscado, segundo médicos e advogados, a inseminação caseira, que já vinha se tornando mais frequente no Brasil há pelo menos uma década, teve impulso extra com as redes sociais e seguindo a tendência nacional, Mato Grosso do Sul também vem ganhando adeptos.
Para se ter uma ideia, em uma só tarde nesta semana, o assunto chegou à redação do Campo Grande News por dois canais diferentes – o Direto das Ruas, onde leitores podem sugerir temas de reportagens, e uma assessoria de imprensa, que divulgou decisão judicial favorável a uma família que havia apelado para o método.
Grupos no WhatsApp e Facebook reúnem milhares de pessoas, interessadas em engravidar e homens que se oferecem como doadores de esperma. Só no Facebook, duas comunidades privadas têm 80 mil membros, parte deles de Mato Grosso do Sul. Numa busca rápida em um dos grupos, a reportagem conseguiu encontrar mulheres em busca de doadores em Campo Grande e homens, oferecendo ajuda em Três Lagoas, por exemplo.
A maior parte dos casais é formada por duas mulheres, que querem ter filhos, mas não podem pagar um banco de sêmen e o serviço de uma clínica para fazer uma inseminação artificial. Há também casais heterossexuais com problemas de fertilidade – visivelmente, em menor número – e mulheres solteiras que têm vontade de ter filhos.
Na prática, a inseminação caseira é uma forma de engravidar sem sexo ou ajuda de médicos. A mulher, ou casal, que quer engravidar busca “no cardápio da internet” um doador de sêmen, que faz a coleta do esperma no dia fértil dela. O material genético é colocado em uma seringa e injetado no corpo da mulher.
A vantagem é principalmente financeira, já que o custo é “quase zero”. Além do coletor e da seringa, as tentantes podem ter de investir nos exames pré-concepcionais, tanto dela quanto do doador, e pagar pelo deslocamento e alimentação deste voluntário, caso ele tenha de viajar para encontrá-la.
Em Campo Grande, uma inseminação artificial, segundo o médico Antônio Miziara, especialista em reprodução assistida e diretor-técnico da Clínica Fertliv, custa entre 5 e 7 mil reais. Já o método da fertilização in vitro – o popular “bebê de proveta” – sai por pelo menos R$ 20 mil.
Barato pode sair caro – A inseminação caseira, apesar de amadora, não é ilegal – até porque não existe lei no Brasil que a regulamente. Mas, profissionais de saúde condenam e os da área jurídica, também dizem ser arriscado.
Para a saúde, o perigo maior é o de transmissão de doenças, embora segundo as mulheres, que conversaram com o Campo Grande News na condição de anonimato, sejam exigidos exames para detectar DSTs. O médico especialista em reprodução assistida explica que os bancos de sêmen, além de fazerem todos os testes necessários, traçam o painel genético dos doares, para detectar se há risco de transmissão de doenças hereditárias para os bebê – como hemofilia ou fibrose cística.
Já do ponto de vista legal, o maior risco é ter de lidar, no futuro, com o doador reivindicando a paternidade da criança ou o contrário. O voluntário pode ter de enfrentar ação de reconhecimento de paternidade e exigência de pensão alimentícia, por exemplo.
No caso de casais, há ainda a dificuldade de fazer registro do bebê no nome das mães ou dos pais. “Falta lei específica sobre esse assunto”, reforça a advogada Renata Pimentel, de escritório que dá consultoria jurídica a casais que buscam métodos “não-naturais” de engravidar.
Quando a criança nasce após procedimento feito em clínica de fertilização, geralmente, a documentação entregue pelo estabelecimento já garante o registro da dupla maternidade, paternidade e com os nomes de mãe e pai, “sem necessidade de qualquer intervenção judicial”.
A advogada lembra ainda que no Brasil é ilegal, porém, comercializar material biológico – sangue, órgãos, tecidos e esperma, por exemplo – e casais que apelam para a inseminação caseira ou doares podem ter problemas com a Justiça.
O método também contraria as normas do CFM (Conselho Federal de Medicina). A resolução nº 2.320/2022 estabelece que a doação seja gratuita, bem como, sigilosa e é aí que está o problema. Todos os centros de reprodução assistida são obrigados a manter o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas (óvulos e espermatozoides) e dos receptores, mas como manter em segredo uma inseminação quando os próprios interessados em engravidar tem de buscar os doadores?
Segurança – Há perigo ainda para a segurança das mulheres. Frágeis na busca de um sonho que pode parecer inalcançável, casais se submetem a situações que podem acabar mal. Nos grupos da internet, alguns dos homens que se apresentam como doadores são denunciados, por tentarem forçar o sexo na hora de fazer a doação ou por extorquirem as tentantes.
“Às vezes, a gente não mede os riscos”, admite uma das entrevistadas para a reportagem, uma trabalhadora autônoma de 31 anos, que desistiu da inseminação caseira. Ela e a companheira, de 33 anos, decidiram partir para a adoção.
“Estava escutando um podcast sobre ciência e genética e apareceu o tema. Falou de um caso, trazendo mais os aspectos negativos. Mas, achei interessante, fui pros grupos e me aprofundei muito com tudo o que eu podia. Minha companheira sempre teve o sonho de engravidar e minha irmã teve bebê no fim do ano passado. A gente ficou muito envolvida com o meu sobrinho e, então, eu vi a inseminação caseira como uma possibilidade”, relata.
A jovem conta que o casal chegou a conversar com doadores, mas alerta que todo cuidado é pouco. “Fiquei muito preocupada com a questão das doenças. Imagina sair disso com HIV e uma criança com HIV? Teve um dos caras que me mandou os exames dele, disse que tinha feito recentemente, mas pareceu ser muito fake”.
Além do medo, questões de saúde da tentante pesaram na decisão do casal de desistir da gravidez. “Foi muito dolorido pra gente, mas foi uma tentativa válida. Não sou contra, não demonizo isso, porque entendo o desejo de estar grávida é muito forte, o quanto mexe com a gente, o desejo de planejar todas as etapas da vida da criança”.
Em busca – Ciente dos problemas que pode enfrentar, comerciante da Capital, de 28 anos, embarcou na busca por um doador ao lado da companheira, de 25, há um ano, e já fez uma tentativa de engravidar em casa. “Mas, fiz os cálculos errados e não estava no período fértil”.
O casal enfrenta dificuldade de encontrar o voluntário, mas não tem medo. Elas criaram estratégias para não cair em cilada. “Conversei com alguns, com uns três. Um deles não me passou confiança, porque a gente sabe que tem os que se aproveitam do sonho da mulher para tentar algo a mais. Sempre tem um babaca que entra no grupo na tentativa de ter sexo fácil. Mas, a gente é uma rede de apoio, sempre tem denúncia no grupo”.
A entrevistada diz que o casal até pensa em procurar uma clínica particular, caso o método caseiro não surte resultados, mas por enquanto, encontrar um voluntário para ir até elas e fazer a doação é a única opção.
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