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Cidades

Cobrança sobre desempenho dos trabalhadores é objeto de estudo na UFMS

Pesquisa da UFMS mostra que sintomas de depressão são frequentemente encarados como falta de proatividade

Gabrielle Tavares | 17/10/2022 08:58
Vendedora atendendo cliente no centro de Campo Grande. (Foto: Arquivo/Marcos Maluf)
Vendedora atendendo cliente no centro de Campo Grande. (Foto: Arquivo/Marcos Maluf)

Quem nunca foi questionado sobre o atendimento dos funcionários ao comprar um medicamento em uma farmácia, ou roupas, em uma loja de departamentos? A prática é mais comum ainda em serviços de aplicativo, como em viagens de motoristas de aplicativos e no sistema delivery.

Para entender as consequências das constantes cobranças sobre os trabalhadores, o professor e pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Ricardo Luiz Cruz a iniciar a pesquisa "Você foi bem atendido?: a satisfação do consumidor como horizonte do trabalho em Campo Grande (MS)"

O estudo começou em 2018 e deve ser concluído no final deste ano. Com a presença de estudantes de graduação de Ciências Sociais e de pós-graduação em Antropologia Social, as avaliações iniciais já envolveram a produção de artigos em livros e revistas científicas, dissertações de mestrado, trabalhos de conclusão de curso de graduação, pesquisas de iniciação científica e comunicações em congressos científicos locais e nacionais.

De acordo com Cruz, os estudos mostram que a necessidade de satisfazer o prazer do cliente é construída através da naturalização e o ocultamento da violência, dores e sofrimentos vividos no âmbito do trabalho.

Em outras palavras, as violências contra os trabalhadores são condicionados como requisito para a satisfação do consumidor. Os questionários de desempenho coíbem ainda qualquer tentativa denunciar assédios morais, discriminações e segregações.

Pesquisador Ricardo Luiz Cruz. (Foto: Divulgação)
Pesquisador Ricardo Luiz Cruz. (Foto: Divulgação)

"Me espanta o grau de naturalização e ocultação do sofrimento na cidade de Campo Grande. Pode-se dizer que a emergência da sociedade de consumo no espaço local tem envolvido a consolidação de formas primitivas de acumulação no âmbito do trabalho. Dito de outro modo, as mais modernas maneiras de se consumir não parecem envolver a difusão de direitos trabalhistas ou a valorização da dignidade da pessoa humana, mas a violência contra quem trabalha enquanto uma espécie de objeto do gozo de alguém", afirmou o pesquisador.

Além disso, Cruz ressalta que Campo Grande é uma das cidades com maior taxa de suicídio e depressão do Brasil, fenômeno que envolve as mais variadas condições psíquicas, fisiológicas e sociais.

Doenças que não são acolhidas pela sociedade, nem debatidas nos espaços públicos, defende a pesquisa. Pelo contrário, os sintomas são encarados como falta de motivação do trabalhador, ou do outro lado, a grosseria do público.

Professor e alunos durante estudos. (Foto: Divulgação)
Professor e alunos durante estudos. (Foto: Divulgação)

"Ou seja, num cenário marcado pela precarização do trabalho, com baixos salários e escassos direitos, esperamos que as pessoas se sintam motivadas para exercerem seus ofícios, que seus afazeres sejam julgados sob o prisma de quem consome os seus serviços, seja um patrão ou consumidor, e que a violência que enfrentam cotidianamente seja vista como 'grosseria'. Estamos diante de discursos que naturalizam e ocultam dores e sofrimentos vividos pelas pessoas. Sofremos sozinhos ou calados porque podemos não encontrar formas legítimas de enunciar nossas dores", ressaltou.

Para transformar o quadro social, é necessário uma auto avaliação das atitudes que os consumidores reproduzem, mesmo sem perceber.

"Perceber que o que nos satisfaz é capaz de fazer o outro sofrer ou de estar ligado ao seu sofrimento, pode nos ajudar a encontrar um modo de vida mais afim com nossa humanidade em comum, colocando num segundo plano nossa atual compulsão em obter algum tipo de satisfação”, avalia.

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