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Cidades

Conselho indígena irá à Justiça contra posse de coordenador da Funai

Conselho do Povo Terena considerou discurso do capitão reformado José Magalhães "racista", "retrógrado" e "anticonstitucional"

Silvia Frias | 08/02/2020 08:51
Conselho indígena irá à Justiça contra posse de coordenador da Funai

Racista, retrógrado, preconceituoso e anticonstitucional são alguns dos termos usados por indígenas de Mato Grosso do Sul sobre o discurso adotado pelo novo coordenador regional da Funai (Fundação Nacional do Índio) de Campo Grande. O capitão reformado do Exército, José Magalhães Filho, diz que é preciso "socializar o índio" e sugere, inclusive, casamento de meninas com brancos. O Conselho do Povo Terena irá protocolar ação na Justiça Federal pedindo a impugnação dele do cargo.

O advogado Eloy Terena, assessor jurídico do Conselho do Povo Terena, disse que o discurso adotado por Magalhães é reprodução do que foi implantado no período da ditadura militar. “É totalmente retrógrada, militarizada, esse discurso inviabiliza a real necessidade dos povos indígenas que é a conclusão da demarcação de terras”.

Na última quarta-feira (5), Magalhães tomou posse, escoltado pela PF (Polícia Federal), segundo ele, conforme orientação de Brasília por questão de segurança. Em entrevista no mesmo dia, disse ao Campo Grande News que a intenção da gestão dele é “integrar sem desintegrar” o índio, passando pela educação, por meio das escolas urbanas. “Para que o índio vá namorar com a branquinha, o pretinho, o amarelinho e paulatinamente ter essa integração”.

Também defende o que denomina como autossuficiência indígena, com autonomia de produção agrícola, para que índio não seja usado como “massa de manobra” por depender da doação de “sementes ou óleo diesel”.

Magalhães disse que não concorda com a retomada de terras, alegando que não há “resgate a se pagar”. Na avaliação dele, o território foi tomado pelo mais forte, em alusão ao que acontece no reino animal. “Não tem essa, ‘ah, porque essa terra foi minha’, não existe isso na história. Os animais marcam o seu território, chegam e ‘isso aqui é meu’. Aí quando chega o mais forte, derrota aquele chefe e ele sai deixando harém dele todo para trás. Eu digo, a título de piada, o mais forte não deixa levar nem a velhinha dele, que era o amor dele, ele vai sozinho. Essa é a história dos índios e dos animais”, explicou.

O advogado Eloy Terena considera o discurso “violento”, na contramão da Constituição de 1988, que prevê o respeito à cultura, ao modo de vida e à língua indígena. Eloy Terena avalia que Magalhães comete crime de improbidade constitucional ao restringir o uso da língua nativa, referindo-se a um trecho da entrevista do novo presidente regional em ele aponta para lideranças indígenas presentes no local: “nós temos aqui quatro índios na nossa frente, eles são brasileiros, eles falam português e não podem falar na língua terena na nossa frente, não podem”.

O coordenador da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e membro do conselho, Alberto Terena, disse que a militarização das coordenações regionais é tentativa de destruir os direitos dos povos indígenas.

“Infelizmente, o capitão Magalhães não conhece nada sobre nosso povo (...) não compactuamos com o discurso preconceituoso deste coordenador e repudiamos totalmente a forma da sua forma truculenta de se apresentar na regional de Campo Grande”, disse Alberto Terena, que considerou “lamentável” a indicação do capitão reformado.

Processado - Em reunião, membros do Conselho do Povo Terena decidiram que irão protocolar a ação na próxima semana. A decisão foi tomada após contato com lideranças das outras etnias abrangidas pela regional de Campo Grande, que atende cerca de 30 mil indígenas, entre terena, kadiwéu, ofayé-xavante, kinikinau e guató, dos municípios de Aquidauana, Bonito, Brasilândia, Corumbá, Miranda e Sidrolândia.

O professor de Biologia, Rosaldo de Albuquerque, da etnia kinikinau, disse que a comunidade foi pega de surpresa com a indicação de Magalhães ao cargo. “Essa palavra ‘integrar’ é acabar com índio aldeado, essa é a ideia que o governo tem, que na aldeia não se produz, não paga imposto, só fica esperando a cesta básica e quem fala isso nunca foi a aldeia, só ouviu falar”.

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