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Cidades

Falta de dados sobre reincidência é desinteresse por segurança, diz especialista

MS está entre estados que não têm levantamentos sobre presos que cumprem pena e voltam a cometer crimes

Por Natália Olliver | 14/10/2024 11:15
Presídio federal de MS recebeu presos suspeitos de comandar ataques no RN, em 2023 (Foto: Divulgação)
Presídio federal de MS recebeu presos suspeitos de comandar ataques no RN, em 2023 (Foto: Divulgação)

Diante da falta de dados sobre reincidência ao sistema carcerário, ou seja, pessoas que retornam aos presídios e penitenciárias do País, qualquer estudo sobre o tema é raridade. O cenário longe dos levantamentos técnicos ou pesquisas aprofundadas coloca Mato Grosso do Sul no limbo quanto ao assunto. Isso porque ele integra a "lista" de Estados que não possuem dados a respeito da volta às prisões.

Ao Campo Grande News, a doutora em Ciências Sociais e pesquisadora associada do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberta Fernandes Santos, explica que o desinteresse é geral sobre a reincidência e que a ausência de dados causa impactos profundos na sociedade.

Ela cita quatro motivos para que o Brasil permaneça no limbo e ocupe a terceira colocação no ranking de países que mais prendem. Ao todo, são 884 mil pessoas privadas de liberdade, de acordo com a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais). Desse montante, 663.906 são custodiados em celas físicas, 105.104 em monitoração eletrônica e  115.11, em prisão domiciliar, o número é referente aos primeiros seis meses de 2024.

A primeira é a dificuldade de acesso aos dados, a segunda é a falta de conhecimento sobre os conceitos de reincidência. Na sequência, a complexidade do estudo e da metodologia de pesquisa. Por último, a falta de interesse dos governos para direcionamento das políticas públicas prisionais e redução orientada da criminalidade, sobretudo criminalidade violenta.

“A falta de estudos consistentes em reincidência criminal acarreta sérios impactos sociais para a população prisional, porque não há compreensão dos fatores determinantes ou das variáveis associadas à reincidência criminal e, com isso, não se pode criar políticas públicas de acordo com as demandas do fenômeno, prejudicando assim o processo de individualização da pena e as políticas de ressocialização e reinserção social”.

Além do prejuízo aos próprios presos, que podem viver um “ciclo vicioso de criminalidade”, há malefícios para todos.

“Sem contar o enorme dano à sociedade devido aos impactos sociais em decorrência da reincidência criminal, que impacta diretamente a criminalidade violenta e o fortalecimento das organizações criminosas”, diz a especialista.

Policial penal acompanha movimentações em bloco de presídio (Foto: Arquivo/Campo Grande News)
Policial penal acompanha movimentações em bloco de presídio (Foto: Arquivo/Campo Grande News)

Ela explica que o Brasil se mantém na lista de países que mais prende pessoas no mundo porque o poder público não entende a necessidade das pesquisas e da integração entre governo e pesquisadores para tratar as demandas necessárias.

“O trabalho precisa ser feito entre os governos e centros de pesquisas em universidades. Somente através dos estudos de reincidência é possível conhecer o perfil do reincidente. Eles também aferem a eficiência ou ineficiência da prisão e das políticas públicas adotadas"

Ela pontua que os estudos devem subsidiar estratégias para as polícias, com objetivo de reduzir os custos no Estado (considerando indenizações pela responsabilidade do Estado no que se refere à segurança pública). "E para os tribunais de Justiça, para que possam ter mais conhecimento sobre o perfil do indivíduo reincidente, auxiliando assim nas tomadas de decisão".

Conforme o levantamento do Instituto Igarapé, a reincidência criminal no Brasil chega a 32%. O relatório, de 2022, considera dados de quatro décadas, publicados em pesquisas de diferentes níveis. Não há dados sobre Mato Grosso do Sul.

Se repete em qual classe social?

A especialista Roberta Fernandes ressalta que nos estudos de reincidência existentes, a cor da pele não é um fator determinante ou associado à reincidência criminal. “O que ocorre é que como temos grande parte da população prisional com pretos e pardos, cria-se um imaginário que esse perfil é reincidente, mas definitivamente não é um fator determinante”.

Ela ressalta que outro dado importante e que não há registros em muitos Estados é sobre a questão dos dados sobre filhos, sobre saúde mental, sobre uso de álcool e drogas. Esses últimos dados que mencionei são colhidos apenas pelos técnicos da saúde que contemplam: psicólogos, assistentes sociais, enfermagem etc.

Deficit

Mato Grosso do Sul tem deficit de 9.062 mil vagas no sistema carcerário, ou seja, mais pessoas que espaço para que fiquem amontoadas. Com 17.343 mil presos, capacidades de apenas 8.281 mil, o Estado está entre os 11 que não suportam a quantidade de presos. Na frente dele estão Goiás, Ceará, Espírito Santo, Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

A especialista em segurança acrescenta que cabe à sociedade pressionar os órgãos públicos para que realizem as pesquisas e que é necessário compreender o fenômeno da reincidência criminal através do olhar sociológico.

Para ela, os conceitos mais apropriados para os estudos de reincidência no Brasil são a reincidência policial (considerando o novo indiciamento pelo inquérito pelo cometimento de um novo crime) e reincidência penitenciária (considerando nova prisão pelo cometimento de um novo crime).

"Entendemos que o conceito jurídico não consegue mensurar a magnitude da reincidência criminal devido a alguns fatores tais como: morosidade nos processos, sobretudo nos processos de homicídio, então o tempo de observação de 5 ou 10 anos não seria capaz de identificar certos tipos penais".

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