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Cidades

Filho de desembargador com "renda de 7,8 mil" movimentou 1 milhão em 9 meses

Três dos 4 filhos do desembargador afastado foram alvo de operação por transações bancárias suspeitas com pai

Por Lucia Morel | 09/02/2024 16:48
Vânio Maran e Divoncir Júnior, dois dos filhos do desembargador afastado. (Foto: Redes Sociais/Campo Grande News)
Vânio Maran e Divoncir Júnior, dois dos filhos do desembargador afastado. (Foto: Redes Sociais/Campo Grande News)

Investigação da Polícia Federal que culminou ontem na Operação Tiradentes coloca o filho mais velho do desembargador afastado, Divoncir Schreiner Maran, como “principal operador” do suposto esquema de lavagem de dinheiro de propina que teria sido recebida pelo magistrado para colocar o megatraficante Gerson Palermo em prisão domiciliar.

Vânio César Bonadiman Maran movimentou R$ 1.074.532,05 em suas contas bancárias no período de nove meses (junho de 2021 a março de 2022). Entretanto, mesmo sendo advogado com inúmeras causas estaduais e federais, no mesmo período ele declarou à Receita Federal que seus rendimentos mensais não ultrapassam R$ 7.687,50.

Para a ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que autorizou as buscas e apreensões de ontem, Maria Isabel Gallotti, baseada na petição da PF, “foram várias as movimentações financeiras atípicas identificadas. Possivelmente, o investigado (desembargador) valeu-se de seus familiares para ocultar ou dissimular ganhos ilícitos”.

São apontados cinco indícios de movimentações bancárias suspeitas em relação a Vânio, todas envolvendo também seus irmãos e o pai. Os dados foram obtidos através de quebras de sigilo bancário autorizadas e repassadas pela Receita Federal. A primeira delas é de movimentação indiscriminada de transferências bancárias, tanto de Vânio quanto de seu pai.

São várias as transações suspeitas, segundo interpretação da PF. O terceiro ponto analisado foram os registros cartorários envolvendo duas escrituras de imóveis em nome dos quatro filhos do desembargador. Nesse caso, houve débito de R$ 2 milhões para compra de imóvel que “não se pode precisar a forma de pagamento”, porque não aparece em movimentações oficiais.

Há também inconsistência em transferências bancárias de mais de “meio milhão de reais feitas pelo desembargador em favor de seus filhos” e por fim, “grande quantidade de depósitos que circulam na conta de Vânio Maran”, todas inferiores a R$ 50 mil, limite que dispensa possíveis esclarecimentos ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Valores – O montante dos depósitos sob suspeita, conforme as investigações, chegam a R$ 746,5 mil, sendo R$ 175,1 mil em espécie. Outros 243 depósitos são de terceiros.

Também foi identificada transferência a outro filho de Schreiner Maran, Rafael Fernando Ghelen Maran, proprietário do Rancho Jatobá. “No contexto da análise preliminar fiscal ora apresentada, verificou-se que o rancho é um dos compradores de gado do rebanho de Divoncir Schreiner Maran, com notas fiscais destinadas a Vânio Maran”.

Entretanto, o que acendeu o alerta das investigações foi que, no ano de 2020, “não se identificou transações bancárias envolvendo vendedor e comprador, encontrando-se pendente de apuração como decorreram os pagamentos, o que pode resultar em omissão de despesas de Rafael Maran”, cita a análise da Polícia Federal.

Mais filhos e familiares – Os outros dois filhos do desembargador - Divoncir Schreiner Maran Júnior e  Maria Fernanda Ghelen Maran – também receberam ou pagaram através de transferências suspeitas.

“Divoncir Junior depositou em favor de Vânio Maran quantia que totaliza R$ 137.393,65, fracionada em inúmeras operações bancárias, sob a justificativa de recebimento por suposto repasse de carta de consórcio, contemplado ao irmão por R$ 75.000,00, lançando dúvida sobre o saldo remanescente, de mais de R$ 60.000,00”.

Os dados coletados pela PF indicam ainda que entre 5 e 6 de julho de 2021, Vânio transferiu R$ 24 mil para Rafael, Divoncir Júnior e a outra irmã, Maria Fernanda Maran, o que somou R$ 72 mil. Nesse meio, surgiu a figura de ex-funcionário do escritório de advocacia em que Divoncir e Vânio são sócios, Cristian Araújo, também alvo da operação, que seria "laranja". As contas bancárias dele foram usadas para “passagem” de valores da família Maran.

A esposa do desembargador, Viviane Alves Gomes de Paula, e a ex-servidora de seu gabinete, Gabriela Soares Moraes, também estão sob suspeita. Sobre Viviane recaem “indícios de inconsistência” que, segundo a PF, mostram possível evolução patrimonial, “bem como elementos que indicam a tentativa de confundir a real origem dos bens pertencentes ao casal”.

Quanto a Gabriela, a suspeita decorre de lançamentos que, “embora omitidos em sua declaração, são oriundos de recursos provenientes do pai e da mãe da investigada e de recebimentos sem identificação”. Para a Polícia Federal e para a ministra do STJ, por conta disso, “cabe esclarecer se houve lançamento dos valores em suas respectivas declarações e qual seria a origem desses valores com omissão de identificação”.

Nesse contexto, os demais investigados e o desembargador teriam atuado em conjunto, de forma coordenada. É estritamente necessário, portanto, o deferimento da busca e apreensão em seus respectivos endereços. Apenas assim será possível identificar ainda mais documentos, anotações, provas em arquivos digitais, comunicações entre os investigados ou outros elementos aptos a robustecer, desmentir e esclarecer a acusação”.

A defesa do desembargador, advogado André Borges, avalia que “nada de concreto e vinculado à decisão no habeas corpus foi apurado na investigação em curso”, citando a decisão que soltou Palermo. Para Borges, há “apenas suspeitas infundadas e fatos antigos, que poderiam e serão esclarecidos”.

Para ele, a medida de ontem – a operação da PF e consequente afastamento do desembargador – foi drástica e “exigiria muito mais, nos termos da lei”. “Mais adiante surgirá o único resultado para isso tudo: arquivamento ou absolvição. Divoncir Maran, um homem agradável e de enorme coração, jamais merecia isso que estão fazendo com ele”, encerra o defensor.

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