PF suspeita que desembargador tentava fazer "pé-de-meia" antes de aposentadoria
Pedido ainda destacou possibilidade do "cometimento de crimes semelhantes" e coação de possíveis testemunhas
O pedido de afastamento do desembargador Divoncir Schreiner Maran se deu a partir da suspeita de possível “pé-de-meia” antes da aposentadoria do magistrado, em abril de 2024. Ele foi o principal alvo da operação Tiradentes, deflagrada pela PF (Polícia Federal) em conjunto com a Receita Federal ontem (8).
"Há justo receio de que, no exercício de suas funções, o Desembargador possa vir a praticar outros crimes. Supostamente, a liminar teria sido dada, a troco de vantagem indevida, para aproveitar o período final do Desembargador antes de sua aposentadoria", sustenta a PF.
Na solicitação feita ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), a qual o Campo Grande News teve acesso, também é citado risco de destruição de provas e possível ameaça a testemunhas.
Segundo a investigação, a liminar assinada por Divoncir, que concedeu prisão domiciliar ao narcotraficante Gerson Palermo, em abril de 2020, pode ser vista como uma forma de “juntar dinheiro” ilícito.
Diante dos indícios da prática de crime de corrupção passiva, no exercício da função, " a medida, embora extrema, faz-se absolutamente necessária", sustentou a PF.
"Logo, há concreto risco, diante do comportamento adotado, de que a conduta se repita. A liminar, concedida em plantão, colocou em liberdade criminoso multireincidente, com suposto papel de destaque na maior organização criminosa do país."
Palermo foi condenado a 129 anos de prisão, o que era agravante para qualquer benefício judicial. A decisão foi revogada, mas ele já havia quebrado a tornozeleira e desaparecido.
“Foi uma decisão insólita e possivelmente teratológica [absurda], revogada logo em seguida (...)Há, contudo, fortes indícios de que a decisão é produto de crime. Foi deferida sem fundamento jurídico, em meio a recebimentos e triangulações de valores por diversas pessoas, que, aparentemente funcionaram como intermediários do investigado”, destaca o documento elaborado pela Polícia Federal.
A conduta envolveria um esquema criminoso entre servidores do TJ, familiares e amigos próximos do desembargador. No total, nove foram alvo de busca e apreensão ontem, inclusive, os três filhos de Divoncir e a atual companheira.
“Assim, os fatos até então constatados evidenciaram a incompatibilidade com o exercício da função, colocando em risco a atividade judicial e a credibilidade das decisões do Poder Judiciário”, diz a PF ressaltando que o desembargador teria fácil acesso a documentos, elementos de informação, testemunhas e outros investigados caso continuasse exercendo seu cargo, assim como destruição e ocultação de provas e a coação de pessoas.
“É concreto o risco de que venha constranger funcionários a praticar atos ou a prestar depoimentos dissociados da verdade. Também poderá acessar indevidamente documentos que possam interessar à investigação”, detalha o documento.
Diante disso, a decisão assinada pela ministra Maria Isabel Galloti determinou o afastamento cautelar do desembargador até o dia 6 de abril deste ano, data em que completará 75 anos e a aposentadoria está prevista. Além de proibir o acesso de Divoncir ao TJ, o contato com os servidores e a utilização dos serviços prestados pelo Tribunal.
Também foi aceito o pedido de busca e apreensão no gabinete de Divoncir, bem como em uma fazenda da família localizada na cidade de Bonito, distante 297 quilômetros de Campo Grande. Os mandados foram cumpridos ontem pelas equipes da PF e da Receita Federal.
Procurado pela reportagem o advogado André Borges, que atua na defesa de Divoncir, afirmou que acredita que haverá o arquivamento ou absolvição do desembargador.
“Surpreende muito que nada de concreto e vinculado à decisão no habeas corpus foi apurado na investigação em curso. Apenas suspeitas infundadas e fatos antigos, que poderiam e serão esclarecidos. Medida drástica como a adotada exigiria muito mais, nos termos da lei. Mais adiante surgirá o único resultado para isso tudo: arquivamento ou absolvição. Divoncir Maran, um homem agradável e de enorme coração, jamais merecia isso que estão fazendo com ele”, pontuou André.
Operação – Divoncir é investigado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por conceder habeas corpus, que resultou na fuga do narcotraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão. Com isso, ele é suspeito por “transações suspeitas”, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Ao todo, hoje foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão em Campo Grande e Bonito, todos expedidos pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Um dos endereços onde equipe da PF esteve foi o gabinete do desembargador no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul). Os policiais ficaram no local por 3h30 e saíram com dois malotes.
Outro endereço “visitado”, foi o condomínio Le Charmaint no Bairro Cidade Jardim, onde também saíram com malotes. As buscas foram acompanhadas pela Comissão de Prerrogativas da OAB-MS. Não foi detalhado quantos mandados foram cumpridos na Capital e quantos em Bonito.
Por conta da investigação, o desembargador foi proibido de manter contato com servidores e também de entrar em todas as sedes do Judiciário, além de utilizar dos serviços direta ou indiretamente, sob pena de prisão preventiva.
Em família - Organograma divulgado pela Receita Federal mostra que esposa e três filhos do desembargador também são investigados pelo suposto esquema que acabou favorecendo a fuga de Palermo, condenado a 126 anos de prisão.
Segundo a imagem sobre como funcionava o suposto esquema, há evidências de envolvimento direto dos três filhos de Divoncir, Vânio Cezar Bonadiman Maran, Rafael Fernando Gehlen Maran e Divoncir Schreiner Maran Junior, todos advogados, e atual esposa Viviane Alves Gomes de Paula, servidora do TRE (Tribunal Regional Eleitoral).
Assim como a participação do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues e seu filho o advogado Diogo Ferreira Rodrigues, que é sócio dos filhos de Divoncir. No esquema também aparece a assessora Gabriela Soares Moraes.
Segundo a apuração, Divoncir receberia propina para beneficiar Palermo, repassaria os valores aos filhos que acionariam um sócio para lavagem do dinheiro recebido do narcotraficante, com participação de um ex-funcionário Cristian Araújo, apontado como laranja.
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