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Cidades

No desespero e sem recurso, famílias apelam à justiça por internação compulsória

Familiares sem condições para pagar tratamento de dependentes químicos se socorrem à Justiça para obter ajuda

Por Maristela Brunetto | 11/07/2024 10:09
Dependentes de crack no centro de Campo Grande; muitos desfazem laços familiares pelo vício (Fotos: Marcos Maluf/Arquivo)
Dependentes de crack no centro de Campo Grande; muitos desfazem laços familiares pelo vício (Fotos: Marcos Maluf/Arquivo)

Os personagens mudam, mas os relatos sempre se parecem. As histórias de famílias sem condições da bancar os tratamentos de dependentes químicos se cruzam nos fóruns da Justiça em busca de ajuda oficial. São pais de jovens que temem a morte dos filhos pela dependência química ou por conflitos nas ruas ou com traficantes. Ou até mesmo idoso que familiares não conseguem mais controlar.

A reportagem do Campo Grande News acessou uma série de ações, que se repetem na Justiça em busca de encaminhamento para serviços públicos ou mesmo clínicas particulares por meio de internações compulsórias, aquelas que ocorrem sem a vontade da pessoa. Famílias que veem a internação como único recurso.

Trata-se de uma medida excepcional, lastreada por recomendação médica, para situações extremas, mas não raras, em que os dependentes de álcool e drogas chegam a um grau do vício em que perdem a autodeterminação.

Os relatos ocorrem em especial nas cidades menores, onde nem sempre há oferta de atendimento especializado e as famílias pobres não sabem a quem recorrer. Aquelas com condições conseguem manter seus filhos em unidades de internação ou mesmo em serviços ambulatoriais. Os personagens e as cidades em que vivem vão ser preservados.

O pai foi à Defensoria Pública pedir ajuda para internar a filha jovem, viciada em bebida e droga, que já dormia nas ruas, com visível perda de peso e da saúde mental. Houve uma breve internação, mas na volta pra casa, teve recaída e foi preso. A família quer uma internação mais longa, paga pelo Estado e Município em clínica particular.

Outro pediu ajuda para internar o filho, já com doença crônica e preocupação porque não tomava a medicação com a regularidade necessária. O médico recomendou, porque via risco à vida do homem diante da falta de rotina.

Em outra cidade, é para garantir a internação de um idoso que a família buscou a Justiça. Não conseguia mantê-lo em casa e longe da bebida, já tendo caído na rua, sofrido lesão. Não foi preciso bloqueio de recursos, a prefeitura local conseguiu uma vaga em instituição especializada.

Também no interior, uma mãe, uma costureira, temia pela vida do filho, foi à Justiça por não conseguir vaga no serviço público. O homem, com cerca de 20 anos de dependência de drogas, incluindo crack, e álcool, colecionava quatro internações. Foi preciso bloquear R$ 12 mil para começar a pagar o serviço em uma clínica privada com previsão de manutenção de seis meses.

Em outro processo foi possível conhecer a história de um adolescente, já seguindo para o terceiro período de internação de três meses. O tratamento começou com internação no Hospital Regional, que dispõe de 12 leitos para atender o SUS no Estado para desintoxicação. Acabou ficando além do necessário no hospital, em Campo Grande, até que o Ministério Público conseguisse na Justiça bloqueio de valores para pagamento de clínica particular.

A história dele com as drogas ainda não terminou. De um passado recente nas ruas, agressividade, briga com familiares, já com medo de que avançasse para agressões, o rapaz, que usou drogas por cerca de três anos, recebeu recomendação médica de permanecer um ano internado. Ele recebe medicação e com o passar do tempo, o humor passa a ter constância.

O recomendado para tratar dependentes de álcool e drogas é a internação para desintoxicação e atendimento ambulatorial, o que nem sempre funciona, como no caso do adolescente, segundo relatado no processo.

Usuários passam a viver na rua para consumir crack; parentes veem esperança em internação
Usuários passam a viver na rua para consumir crack; parentes veem esperança em internação

Os municípios devem ofertar, na saúde pública, os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) para o atendimento ambulatorial. As clínicas devem oferecer atendimento médico, acompanhamento especializado, serviços que permitam superar o vício e retornar à rotina. À falta desse serviço surgem vaga em comunidades terapêuticas, nem sempre tendo o atendimento especializado como foco central, incluindo pregações religiosas como forma de afastar o interesse dos dependentes químicos das drogas e álcool.

Atendimento especializado – Recentemente, a Frente Parlamentar da Saúde Mental da Câmara Federal divulgou o relatório “Raio-X das Comunidades Terapêuticas”. Os dados reforçam críticas manifestadas pelos conselhos nacionais de Saúde, de Direitos Humanos e de Criança e Adolescente e de Assistência Social, que já pediram o descredenciamento desses serviços, conforme divulgou reportagem do O Globo nessa semana.

De 288 projetos terapêuticos apoiados financeiramente pelo governo federal, estados ou municípios entre 2019e2022, o raio-x mostrou que 14% não tinham médicos na estrutura, 28% não contavam com psicólogos e 67% não possuíam enfermeiros. O levantamento demonstrou que a quase totalidade apostava na espiritualidade como forma de alcançar a cura.

Segundo o jornal, o relatório aponta que o investimento federal no setor alcançou R$ 560 milhões entre 2017 e 2020, dado revelado em estudo do Conectas Direitos Humanos e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

A preocupação com a falta de pessoal especializado ganhou destaque nesta terça-feira com a informação de que um homem morreu no final de semana após ser amarrado e agredido por funcionários em uma comunidade terapêutica em Cotia (SP). A Prefeitura disse que se tratava de um serviço clandestino, os donos negaram irregularidades no funcionamento.

Esse tipo de serviço, por vezes, é alvo de investigações do Ministério Público, sobre a regularidade no funcionamento. Pela Lei de Drogas, as comunidades terapêuticas não podem manter pessoas internadas, o que só pode ocorrer em serviços de saúde.  Em Campo Grande, a Prefeitura mantém convênio com 11 destas unidades.

Na rede municipal de saúde estão contratados 48 leitos para atendimento a dependentes químicos, sendo os 12 do Hospital Regional e 36 no Hospital Nosso Lar. Os serviços incluem 7 Caps, sendo dois para álcool e drogas e um infantil. Também há 4 residências terapêuticas oferecidas pela Prefeitura. A Secretaria de Saúde do Estado informou que não mantém convênios para atendimento de dependentes químicos.

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