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Cidades

Para MS não ter “caso André do Rap”, Justiça recorre a GPS de presos

Artigo para revisar preventivas está no centro de polêmica, mas magistrado avaliam que presos não podem ser "esquecidos"

Aline dos Santos | 15/10/2020 07:33
André do Rap durante prisão em 2019, acusado de administrar a exportação de drogas do PCC para a Europa. (Foto: O Globo)
André do Rap durante prisão em 2019, acusado de administrar a exportação de drogas do PCC para a Europa. (Foto: O Globo)

Contra o episódio André do Rap, protagonista da mais recente e acalorada polêmica do Poder Judiciário nacional, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) tem ferramenta que funciona como GPS (sistema de posicionamento global) de presos. Desta forma, a tecnologia permite que não se perca o prazo de revisão das prisões preventivas a cada 90 dias, impostas pela Lei Anticrimes.

O prazo vencido sustentou pedido de habeas corpus da defesa do traficante André Oliveira Macedo, que foi deferido pelo ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal). A ordem foi cassada, mas André do Rap, que acumula duas condenações, já tinha desaparecido.

Agora no centro de muita reclamação, o artigo 316 do Código de Processo Penal prevê     que “decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.

Antes de o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionar o pacote aprovado pelo Congresso Nacional, houve pedido de veto para o artigo 316, considerado mais uma burocracia na rotina dos magistrados, exigindo a revisão de prisões preventivas sem fatos novos.

Contudo, magistrados ouvidos pela reportagem defendem a importância do dispositivo para que os presos não fiquem esquecidos atrás das grades. “E sempre se colocar no lugar de quem você vai reavaliar a prisão. E se fosse você um preso preventivo?”, questiona o juiz da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, Roberto Ferreira Filho, responsável por 3.300 processos em andamento. Dentre eles, Lama Asfáltica e Omertà.

Juiz Aluízio implantou sistema desde 2014 para que nenhum preso fique para trás. (Foto: Silas Lima)
Juiz Aluízio implantou sistema desde 2014 para que nenhum preso fique para trás. (Foto: Silas Lima)

Presos esquecidos 

Em 2014, o  juiz da 2ª  Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, implantou o sistema que batizou de “GPS do preso esquecido”. Depois, a tecnologia foi adotada pelo Tribunal de Justiça.

No sistema, disponível na intranet dos magistrados, é possível ver a situação dos presos sem condenação em todas as comarcas de MS. No caso da 2ª Vara do Tribunal do Júri, por exemplo, são 81 presos.

Para o juiz Aluízio, o ideal é que o termo “sob pena de tornar a prisão ilegal” fosse retirado do artigo 316, para não ter efeito automático. “Acho necessária essa revisão periódica. Agora, mandar soltar porque não foi revisto é outra coisa. Então, retira o dispositivo e a legalidade ou a ilegalidade vai depender das circunstâncias”.

"Não podemos culpar o artigo pelo o que aconteceu no Supremo", afirma Garcete. (Foto: Marcos Maluf)
"Não podemos culpar o artigo pelo o que aconteceu no Supremo", afirma Garcete. (Foto: Marcos Maluf)

Modelo europeu 

Titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, o juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida defende que o artigo 316 segue o que já e adotado por vários países europeus e deve permanecer no Código de Processo Penal.

“Já ouvi falando que foi culpa do artigo, que gerou impunidade. A revisão da prisão é semelhante ao que já consta em vários países europeus. O artigo 213 do Código do Processo Penal português já tem esse dispositivo há muitos anos. Não podemos culpar o artigo pelo o que aconteceu no Supremo. Revisar não significa soltar”, afirma Garcete.

Sobre o episódio André do Rap, o magistrado diz que seria mais conveniente o ministro ter ouvido o juiz do processo antes da decisão.

 “E se fosse você um preso preventivo?”, questiona juiz Roberto. (Foto: Paulo Francis)
 “E se fosse você um preso preventivo?”, questiona juiz Roberto. (Foto: Paulo Francis)

Prisão é exceção 

O juiz Roberto Ferreira Filho, titular da 1ª Vara Criminal, é mais uma voz a defender a revisão da preventiva a cada 90 dias. “A gente tem que partir do pressuposto que qualquer prisão antes da sentença condenatória transitada em julgado é exceção. A regra é a liberdade”, afirma.

Conforme o magistrado, o dispositivo, que agora enfrenta muitas críticas, é uma forma de evitar que pessoas fiquem presas sem necessidade, mas reforça que prisões são reavaliadas e podem perdurar por 180, 200 dias. “Ficam falando que fulano de tal, que era importante, foi colocado em liberdade. Então, nós que nos organizemos para observar o prazo”, diz Roberto.

André do Rap foi solto por decisão do STF e fugiu . (Foto: Reprodução)
André do Rap foi solto por decisão do STF e fugiu . (Foto: Reprodução)

Cumpriu a lei - O advogado André Borges  avalia que os prazos de reavaliação das prisões a cada 90 dias têm sido cumpridos pelos magistrados. “Os juízes criminais do nosso Estado estão muito atentos a essa exigência legal. A cada 90 dias, o juiz da Omertá reexamina as condições para manter essa preventiva.

No caso do ministro Marco Aurélio, soltou porque não houve o cumprimento do dispositivo legal. A decisão dele esta corretíssima”, diz.

O advogado Valeriano Fontoura conta que ainda não ingressou com nenhum pedido de habeas corpus em razão de descumprimento do prazo. Mesmo cenário identificado pelo advogado José Belga Assis Trad.

“Ainda não cheguei a impetrar habeas corpus com esse fundamento “, afirma. Sobre a decisão do STF, José Belga defende que o ministro só fez cumprir a lei.

Relator de PEC, Fábio Trad afirma que proposta para alterar a Constituição não se limita mais à área penal. (Foto: Divulgação)
Relator de PEC, Fábio Trad afirma que proposta para alterar a Constituição não se limita mais à área penal. (Foto: Divulgação)

Única no mundo 

Relator da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que trata do cumprimento da pena após condenação em segunda instância, o deputado federal Fábio Trad (PSD) avalia que o episódio André do Rap pode impulsionar o debate no Congresso.

“Acredito que o caso tenha contribuído para expor a necessidade da aprovação da PEC, uma vez que o André do Rap tinha condenação em segunda instância e não estava cumprindo em definitivo a pena”, afirma.

De acordo com Trad, a proposta para alterar a Constituição não se limita mais à área penal.

“Ela se estende a todas as áreas do Direito e contribuirá decisivamente para igualar o poder judiciário brasileiro aos judiciários mais avançados do mundo. Uma vez que nossa sistemática processual é única no mundo, quando exige o percurso de quatro graus de jurisdição para se executar uma decisão”, diz o parlamentar.

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