Em Campo Grande, há 64 bloqueadores no complexo penal, mas impedem só o acesso ao 3G da internet, por exemplo
De primeiro de janeiro a 2 de março de 2020, a cada 24 horas, 10 celulares foram apreendidos nos presídios estaduais de Mato Grosso do Sul. São 647 em dois meses. No ano passado, foram 3,3 mil. Se a lei fosse obedecida, esse número seria zero, já que a pena privativa de liberdade impõe isolamento social e o único contato com o mundo externo, além das visitas regulares de familiares e advogados, deveriam ser as cartas, monitoradas. Mas não é assim, como se sabe. Nos presídios do Estado, existe até transmissão ao vivo feita por presos em rede social.
A reportagem do Campo Grande News apurou que sistema criado para coibir a irregularidade existe hoje só nos presídios de Campo Grande e, ainda assim, não dá conta. Sequer bloqueia tecnologias contemporâneas de sinal de internet, como o 4G. Os aparelhos atuais impedem apenas o acesso à frequência 3G, já obsoleta.
Segundo as informações obtidas, nem a manutenção dos 64 bloqueadores em atividade nos cinco presídios da saída para Três Lagoas é feita da forma adequada. O contrato com a empresa responsável, a Compnet, foi firmado em novembro de 2016, para por em prática esquema desenvolvido em 2015. Foi pedido bloqueio apenas até o 3G à época.
Como atualmente os celulares vendidos já vêm com 4G ou ainda 4,5 G e o mercado se prepara para o 5G, na prática a estratégia de combate ao uso de celular por criminosos presos não segura muita coisa além das ligações e a internet dos aparelhos mais antiquados.
Há outro problema, conforme o trabalho de reportagem. Os serviços de manutenção deveriam ser feita pelo menos uma vez. Mas não há rotina estabelecida, conforme constatado.
“Todos os bloqueadores estão em funcionamento, porém, há determinados pontos sem cobertura”, admite a Sejusp (Secretaria de Justiça e Segurança Pública), em resposta ao pedido de informação. “A Agepen está em tratativas com o Depen (Departamento Nacional do Sistema Penitenciário) para receber a doação de novos bloqueadores”, prossegue o órgão.
O custo estimado pela Secretaria para aquisição de equipamentos é de R$ 5 milhões. Não houve detalhamento sobre como seria a nova sistemática.
Números – Conforme os dados da Sejusp, no ano passado, em todas as unidades prisionais do Estado, foram localizados 3.376 celulares. Desse total, mais de 40% são em duas unidades, o Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, em Campo Grande, e a PED (Penitenciária Estadual de Dourados).
Ambas são de segurança máxima. As duas dominadas pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), capaz de decapitar seus desafetos e considerada a “dona” do tráfico de drogas e armas na região de fronteira. Somadas, as cadeias têm 5 mil homens cumprindo pena.
O total de aparelhos telefônicos móveis apreendidos na Máxima e na PED em 2019, de 1452, equivale a um objetivo a cada 3,5 presos. Ou ainda, segundo a aritmética, que a parcela de um terço dos internos teve acesso ao item proibido. Houve flagrantes, já, até de drones sendo usados para entrega de "encomendas" em Dourados. O estabelecimento já teve bloqueador, hoje sem funcionamento.
De acordo com a informação oficial, “os números são referentes a apreensões com visitantes, arremessos pelos muros e em vistorias no interior da unidades penais”.
A Sejusp atribui o resultado ao reforço, principalmente, nas vistorias em durante os dias de visitas. “Para isso, foram adquiridos scanners que auxiliam na fiscalização”, informa.
Outra tecnologia usada são portais detectores de metal e esteiras para revistas em pertences.
Estrutura – Para ter celular na cadeia, é preciso ter dinheiro, para a aquisição do aparelho, a manutenção da internet e de carregadores, além de Wi-Fi. A "operação", conforme constatado, envolve diretamente os “irmãos” da facção criminosa e inclui aluguel de telefones, cobrança de taxa para conseguir o serviço telefônico e de dados e, inclusive, manutenção de casas de apoio na vizinhança. Nelas, são instalados repetidores de sinal, o conhecido Wi-Fi.
Os nomes das redes utilizadas, que às vezes aparecem no celular de quem não tem nada a ver com o presídio, denunciam a origem, ao fazer alusão à sigla PCC ou ao 15.3.3, número equivalente à sequência das letras no alfabeto.
“Informação de inteligência”, resumiu-se a informar a secretaria sobre investigação em relação a essas casas.
Servidores envolvidos – Toda vez que se fala no assunto, surge a pergunta entre os leitores do Campo Grande News a respeito da suspeita de participação de funcionários do sistema penitenciário na facilitação da entrada dos objetos ilegais.
A Sejusp responde que nos últimos cinco anos dois servidores foram demitidos por esse motivo. “Além disso, existem procedimentos apuratórios em andamento, que, caso comprovados serão punidos com os rigores da lei”.
Para o preso, quando há o flagrante, além de perder o telefone e outros itens proibidos, é claro, existe a normalmente de ir para cela disciplinar. A “quebra”, como são apelidadas as faltas durante o cumprimento de pena, também anula eventuais descontos nos dias de prisão para quem, por exemplo, trabalha na cadeia.
Existe punição prevista para as pessoas “do munto externo” que tentam levar celulares a presos. O crime de “ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico, de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional” tem pena de detenção de até um ano.
Flagrantes – Ainda assim, no fim das contas, como mostram os números, presos têm acesso rotineiro a telefones e, assim como a maioria da clientela das operadoras, usufruem do recurso da internet nas prisões estaduais. A partir dela, conseguem não apenas contato com a vida fora do cárcere, mas atormentar vítimas, aplicar golpes, ordenar roubos, assaltos e até assassinatos.
É só procurar que são flagrados presos alimentando páginas de redes sociais, prova do insucesso das medidas adotadas. O abuso chega até à transmissão ao vivo, como mostra vídeo enviado ao Campo Grande News, depois de reportagem mostrando detentos postando no Facebook. Na live, aparecem pelo menos 4 homens, sentados no pátio da Máxima, e o que está à frente diz estar “louco de maconha”. Nas mãos, é possível ver o que parecem ser cigarros.
Na mesma época, durante o Carnaval, outro vídeo que chegou ao canal Direto das Ruas revela a filmagem de “bloco de carnaval” feita por detentos. No material, um deles está dentro das grades, há um aparelho de som vermelho pendurado e eles brincam dizendo haver folia também por ali. A movimentação em si não tem nada de ilegal, mas a filmagem indica, mais uma vez, a presença sem cerimônias do celular no ambiente prisional. (Confira vídeo abaixo)
Depois da publicação de 27 de fevereiro, além desses dois vídeos, foram identificados pelo menos mais dois perfis de homens usando a rede social Facebook, mesmo estando presos.