"Boa-fé": Juiz que liberou pagamento a advogada presa se diz enganado
Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível da Capital, disse ter anulado ato que liberava R$ 5,3 milhões para advogada assim que foi alertado pela polícia
Dizendo-se também se sentir “enganado”, o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande, afirmou nesta terça-feira (31) em entrevista coletiva que logo após ter sido alertado sobre a falsificação de um documento particular de confissão de dívida, desfez decisão de sua autoria que autorizava a liberação de R$ 5,3 milhões bloqueados em uma ação, originada de um golpe, para a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva.
O magistrado disse que tomou a decisão entre o fim de junho e o início de julho, depois que a Polícia Civil apontou que havia indícios de irregularidade no documento. O golpe, há cerca de duas semanas, havia levado à prisão de três pessoas, que apontaram o envolvimento da advogada –apontada como mandante do esquema e mulher do juiz Aldo Ferreira da Silva.
A fraude milionária envolveu uma vítima do Rio de Janeiro, tendo início com um processo distribuído em dezembro de 2016 à 2ª Vara Cível –antes de Paulo Afonso assumir a titularidade. Nele, Salvador José Monteiro de Barros fora apontado como devedor em um processo de venda de uma fazenda em Tangará da Serra (MT).
Durante a instrução do processo, a vítima teria perdido o prazo para interpor embargos –dando início a outra discussão jurídica para provar que ele era vítima de um golpe. Por tal razão, o recurso foi indeferido e, em nova tentativa, acabou rejeitado inclusive no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Liberação – Em junho, o juiz autorizou o depósito do dinheiro em uma conta da advogada, considerando legítimos documentos falsos, incluindo assinaturas em notas promissórias –que a defesa da vítima havia solicitado, tendo rejeitado, pedido para exame grafotécnico– e carimbos de cartórios.
A decisão foi tomada no dia 22, mas já no início de julho, afirmando ter sido alertado pela polícia, desfez o ato “dois ou três dias depois de ter chegado o ofício”.
Paulo Afonso afirmou ser uma situação “inédita”, já que, até então, lidara com processos nos quais via nos devedores falhas na apresentação de sua defesa –só em 2017 ele afirma ter decidido 1.174 causas no mérito. “De um lado tinha um título aparentemente legal, certidões e assinaturas reconhecidas em cartório. De outro um devedor dizendo que não devia”, afirmou o juiz da 2ª Vara, apontando que os documentos aparentavam legitimidade a ponto de, “se não descobrisse antes que se tratavam de documentos fraudados, eu teria feito o mesmo”.
O magistrado disse que, em 19 anos de atuação no Judiciário estadual, acredita “não ter julgado” outra ação de Emmanuelle. Ele disse ter atuado no início dos anos 2000 com Aldo Ferreira da Silva, em Aquidauana, mas negou ter alguma relação de proximidade com o colega de profissão ou a mulher, o que descarta qualquer possibilidade de se declarar suspeito em julgar causas nas quais Emmanuelle atuava.
Enganado – A advogada da vítima foi ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) contra o juiz, que teria se recusado a aceitar pedido para realização de exame grafotécnico que atestaria a fraude, entre outras denúncias. “Eu, particularmente, vejo com naturalidade ela ir ao CNJ. Estou muito tranquilo quanto ao que fiz”, destacou Paulo Afonso.
O juiz reforça que a vítima havia perdido o prazo para apresentar os recursos cabíveis, dando continuidade ao processo, e reforça ter adotado medidas saneadoras. Ainda assim, admitiu ser “desconfortável ver o nome abordado de forma negativa, mas estou absolutamente convicto que havia feito a coisa certa. Hoje não, me sinto enganado”.
O titular da 2ª Vara Cível tirou férias no início de julho, sendo substituído pelo juiz Thiago Tanaka, que restituiu o bloqueio dos valores envolvidos no caso.
Prisão – Emmanuelle Ferreira da Silva foi presa na noite de segunda-feira (30) sob suspeita de ser a mandante do golpe. O processo sobre a “venda” da fazenda era patrocinado por João Nascimento dos Santos, identificado depois como José Geraldo Tadeu de Oliveira. Ele foi detido em 4 de julho em uma agência do banco Santander, ao lado de Deucineide Souza Custódio e Ronei Oliveira Pégora.
Dos R$ 5,3 milhões, R$ 1,8 milhão foram transferidos para a conta de João –que usava documentos de uma pessoa de Minas Gerais e cuja residência em Campo Grande, na verdade, seria o endereço de um salão de festas onde nunca morou. Ele também autorizara por procuração que movimentassem seu dinheiro.
A defesa da vítima acionou a Dedfaz (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Defraudações, Falsificações, Falimentares e Fazendários) para alertar sobre o golpe, resultando nas três primeiras prisões. Investigações complementares culminaram na detenção de Emmanuelle, que seria levada à sala de Estado Maior da Companhia de Guarda e Escolta.