“Você pode viver sem homem do seu lado”, diz quem se livrou da violência
Há cinco anos livre da violência doméstica, a corretora de imóveis Maria Helena da Cruz, 43 anos, fez duas exigências à reportagem: dar o nome completo e mostrar o rosto. A razão de ser da conduta, que vai na contramão de quem enfrentou violência física e moral, é carregar bandeira.
“Você pode viver sem um homem do seu lado”, afirma a corretora, chocada com tantos casos em que mulheres são agredidas e mortas pelos maridos ou ex-companheiros.
Com as unhas feitas, anéis, brincos e corrente, ela deixou no passado um casamento de 16 anos, marcado por espancamentos quando voltava da faculdade ou se, numa festa, não servia a salada decorada da forma como o marido queria, e agressões à autoestima.
“Ele falava que era feia, muito magra, que nem parecia mulher. Que se soubesse que ia passar num concurso público teria se casado com uma mulher loira e bonita”, relata, sobre as ofensas verbais com as quais conviveu por longos anos.
Sem coragem de fazer denúncia às autoridades, para não prejudicar o emprego do marido, ela lembra de cor a data em que resolveu dizer chega. “Foi em 21 de abril de 2008. Minha filha tinha 15 anos e começou a namorar um rapaz filho de pais branco e negro. Ele queria que fosse na casa do rapaz e dissesse que não queria pobre nem preto na nossa família”, relata. Diante da negativa, ela apanhou. Antes, já havia recebido ajuda psicológica, mas nem assim, teve força em romper o casamento.
O divórcio foi litigioso, marcado por ameaças e impasse na questão financeira.
“Ele dizia que não me faltava nada dentro de casa, que não iria conseguir me manter”, conta. Maria Helena lembra que saiu do casamento com R$ 10 mil e um veículo 2005. “Mas quando você coloca Deus na frente, as coisas dão certo”.
Depois de concluir a faculdade de Letras aos trancos e barrancos, paga com venda de lingeries, bombons e produtos de beleza, ela decidiu fazer curso para ser corretora de imóveis. Numa quinta-feira, viu o sonho de trabalhar ir por água abaixo. “Entrei na entrevista às 14h e saí às 19h. Pedi, disse que tinha vontade. Mas o dono disse que para trabalhar na imobiliária precisava do kit carro e notebook”, diz.
Sem nenhum dos dois, ela ainda argumentou que poderia levar os clientes na sua motocicleta. Porém, acabou deixando o local desempregada. Dois dias depois, num sábado de manhã, recebeu ligação do entrevistador e uma boa-nova: estava empregada.
Com o “uniforme” camiseta, calça jeans e tênis – não via sentido em uma mulher feia variar o guarda-roupa – passava os dias em busca de vendas, mas os três primeiros meses foram somente de tentativas frustradas. “Depois de fazer novena na igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, fiz cinco vendas uma atrás da outra”, diz.
Com o trabalho, a vida foi melhorando. Ela comprou um carro - que em vez de pagar em cinco anos, pagou em dois – e reformou a casa, adquirida com o veículo que recebeu no divórcio. O imóvel, no bairro Vila Lobos, em Campo Grande, ganhou varanda e forro novo. Já a moradora ganhou novos sonhos.
Do passado, sobraram traumas, como não confiar nos homens ou uma certa insegurança quanto à imagem física. “Ah, não sou feia”, diz, ao mostrar uma foto antiga. Mas o presente e os planos para o futuro mostram determinação em seguir em frente e o desejo de servir de inspiração para quem precisa de forças para dizer adeus a uma união infeliz. “Hoje, vejo quanto tempo perdi”.