A dor da família de Keverson, um menino que se foi aos 6 anos
Edemara Fernandes Urunaga, 30 anos. Mãos, rosto e um semblante de mulher sofrida. Calejada pela vida. É dona de casa, teve cinco filhos e viveu o desespero de perder o menino caçula em um acidente de trânsito logo no início do ano.
As lágrimas escorrem. Comovem quem está à sua frente e criam, no momento em que se chega àquela casa, o sentimento de compaixão e de não saber o que fazer nem por onde começar. A vontade que dá é de abraçar Edemara e os quatro filhos.
Eles moram em uma travessa, que preferem chamar de corredor, no bairro Taquarussu, em Campo Grande. Uma menina está a caminho. Grávida de seis meses, a mãe não tem ideia de nomes ainda, nem faz questão de dar sequência a inicial “K”, primeira letra do nome da “escadinha” que tem em casa.
A família se sustenta com R$ 155. Valor repassado de um dos programas de assistência do Governo Estadual e carrega nas costas o peso de viver dia após dia sem a alegria de Keverson. A bicicleta do menino, que era o motivo de tanta alegria, hoje é tristeza para a mãe. A criança morreu aos 6 anos, atropelada por um caminhão de bebidas em janeiro deste ano, na rua Diadema esquina com a João Faustino, no bairro onde a família mora.
“Foi no dia 11 de janeiro, uma quarta-feira, à uma da tarde. Eu estava na casa da minha mãe, quando meu irmão chegou e disse: Edemara o Dedê, o Dedê sofreu acidente. Eu saí correndo, pensei que ele estava caído no chão, com um braço e uma perna quebrada”. A descrição de Edemara é exata. Ela consegue precisar, mesmo na angústia de reviver uma dor que não passo, a esperança dos passos que correu aquele dia para dar socorro ao filho ou o último abraço.
“Eu vi meu filho cheio de sangue. Eu cheguei não tinha bombeiro, ninguém só a polícia, o meu filho e a bicicleta. Diz que o caminhão estava lá, mas eu não vi”, conta.
É impossível passar para o papel a dor que ela sentiu, sente e vai sentir pela morte do filho. Uma criança que via a rua como uma brincadeira, nunca como um perigo.
“Eu falava para ele andar apenas no corredor, ele tinha costume de pegar essa bicicleta vermelha e dar a volta no quarteirão. Eu tinha medo porque ali passava ônibus. Aí naquele dia, ele tinha acabado de almoçar, largou o prato, nem bebeu água e já desceu”.
Antes do acidente o menino havia saído de bicicleta para comprar um lápis. Pediu R$ 1 aos avós e depois voltou deixando o troco. No instinto de tentar impedir que o menino andasse de bicicleta, ela furou um dos pneus.
“Ele viu que o pneu estava murcho e eu disse que era porque ele estava andando na rua. Aí ele levou na bicicletaria do seo Cícero, mas voltou com ela de lado, dizendo que tinha furado mesmo e pediu para eu arrumar. Ele largou, pegou a da irmã e foi andar de novo, encheu o pneu e em vez de ele descer, ele foi... Não demorou muito e meu irmão já veio me falar...”
A entrevista é interrompida. Pelas lágrimas e pela filha caçula, de 4 anos, que vem tentar consolar a mãe.
“O que me mais me doeu é que quando ele nasceu o pai dele foi embora para Portugal. Ele ia fazer agora 7 anos e sempre perguntava, mãe cadê meu pai? Porque só os guris têm o nome do pai deles e eu não tenho pai? Eu falava que eu era o pai e a mãe de todos eles e agora eu acordo todo dia de madrugada chorando 2h da manhã e não consigo mais dormir”.
Acidente - O garoto seguia pela rua Diadema em uma bicicleta pequena, atrás do caminhão que carregava bebidas. De acordo com testemunhas, no momento que o caminhão foi fazer a curva para entrar na rua João Faustino aconteceu o acidente. O que tudo indicou no dia, é que o garoto tentou fazer a curva junto com o veículo.
As vítimas do atropelamento e da morte de Keverson foram os irmãos, a mãe e os avós. Edemara conta que o filho de 9 anos, após passar cinco dias sem ir às aulas, retratou a cena que viu em um desenho.
“A professora pediu e ele desenhou o irmão caído, a ambulância do Samu e como se fosse uma bola de gibi, de pensamento na filha dizendo Keverson você sempre foi forte, mas dessa vez você ficou fraco. Até hoje quando vou deitar, faço oração com as crianças, mas ele não quer, ele fala que Deus é o pior cara que existe nesse mundo por ter levado o irmão dele. Eu tento explicar que não foi Deus que quis, ele que foi teimoso”.
Hoje, seis meses após o acidente, Edemara comprou com o dinheiro do Dpvat (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores Terrestres), a casinha onde mora. Ela se arrepia em passar pela rua que levou o filho e fala do trânsito com a propriedade, por ser uma mãe que perdeu uma criança para a violência.
“Não, nunca mais voltei lá. Às vezes eu ando, passo na rua Diadema, mas quando chega no cruzamento eu choro. Falaram que colocaram o dono do caminhão no camburão da polícia porque diz que a vizinhança queria linchar, mas eu achei errado. O motorista não teve culpa, ninguém ia querer matar uma criança, foi um acidente”.
Compartilhando da dor de perder um filho e esperar outro, Edemara quer que a filha nasça com saúde e consiga superar essa falta. “Ficou um vazio. As pessoas deviam tomar mais consciência, de que o trânsito não está só naquele carro, naquela moto. Não é justo uma pessoa que vem no mundo morrer de bobeira assim. Para mim é difícil, às vezes eu sento e choro, mas a minha caçula vem e fala para eu não chorar, que o Keverson está lá com papai do céu. Se é de dia ela diz que está dormindo porque a noite ele é a estrelinha que brilha no céu”.