A economia da cidade se espalha e bairros comemoram 'vida própria'
Ao longo do tempo, regiões, até então afastadas, têm "de tudo" e são lares para quem vive por lá
“Cheguei aqui de charrete e um carro ‘biriba’”, relembra o baiano Januário Francisco do Nascimento, 84 anos, que mudou-se para Campo Grande em 1958. Mesmo morando um breve tempo fora, há quase 40 anos voltou para a Capital para viver no bairro Parati, lugar que, avalia, “cresceu por conta própria” e de onde um dos moradores mais antigos nem pensa em sair.
Chegou por ali, como já diz o que virou dito popular, quando “tudo era mato”. Naquele tempo, seu Januário teve um mercado chamado Santa Rosa, um dos primeiros do bairro, em uma época onde a cidade resumia-se ao centro e a periferia era algo bem distante, tanto em quilômetros quanto em oferta de serviços.
“Aqui não era nada, era tudo mato aqui nessa região e a gente chegava a ficar com medo porque era tudo escuro. Dava para deitar no meio da rua e esperar duas semanas até passar uma carroça”, brinca. Cenário bem diferente do que hoje é possível ver por lá ao andar alguns metros na vias.
O gosto por sua região é tanto que não é proposta alta, em termos financeiros, que faz ele vender a casa. “A princípio, eu não queria comprar [o terreno, hoje a casa onde vive], mas hoje eu não quero é vender. Já chegaram a me oferecer R$ 450 mil e eu não quis".
É nesse saudosismo e orgulho da terra onde escolheu viver que seu Januário relembra o quanto o bairro cresceu e se tornou, em suas próprias palavras, “bonito demais”. Nestes 119 de Campo Grande, a gente quis saber o ponto de vista de quem viu a cidade, especialmente o bairro onde vive, crescer ao ponto de se tornar um local com praticamente tudo que, antes, só a região central servia.
“Hoje aqui é uma área central. Você encontra tudo, o que precisar tem aqui”, faz propaganda o filho de seu Januário, Paulo Roberto do Nascimento, que tem 53 anos e vive no Parati desde os 16 anos.
De fato. Basta andar um pouco pela rua da Divisão, a principal do bairro, para notar mercados, bancos, restaurantes, até barbearias, estúdio de tatuagem e milksheiqueria – estes últimos estabelecimentos mais comuns, até então, na região central e shoppings da cidade.
“Aqui as pessoas encontram comodidade, não precisam mais ir ao centro ficar procurando por estacionamento e, muitas vezes, até pagar por ele”, conta a comerciante Fabiana Aparecida Pereira, 32 anos, que aponta “comodidade” e ao mesmo tempo movimento para atrair pessoas até mesmo de outros bairros.
No Aero Rancho, o crescimento também é visível. Ali já é, há algum tempo, o bairro mais populoso de Campo Grande e, com isso, a oferta também cresceu. São 40 mil moradores, conforme dados do Sisgran (Sistema Municipal de Indicadores de Campo Grande).
Na avenida Raquel de Queiroz, o preço de aluguel considerado acessível e movimento pela quantidade de moradores permitiram à comerciante Rejane Pinto, 52 anos, abrir um estabelecimento naquela região.
“Aluguel no centro é muito caro, fora que a pessoa precisa gastar com transporte público, que também está caro. Ir no centro só se for para passear”. Ela atravessa pelo menos 7 km todos os dias indo do Jardim Paulista, bairro onde mora, até o Aero Rancho, mas foi de olho no movimento do bairro mais populoso que a comerciante resolveu explorar um novo espaço da cidade.
Quando chegou por lá, Rejane começou vendendo erva de tereré e, agora, comercializa “quase de tudo”. “Sorvete, ervas medicinais, pastel, açaí e produtos de tabacaria”. É ali também que a comerciante faz compras de mercado para sua residência, também pelas opções que têm.
Praticamente tudo – Movimento natural nas cidades de médio rumo à grande porte, a criação de “pequenos centros” é esperada em Campo Grande. O termo técnico é “subcentro”, que na prática significa bairros com mini sedes do centro.
É aquele local onde é possível encontrar serviços como banco, posto de combustível, além de comércio, como supermercados e até mesmo lojas grandes que, até então, só eram encontradas em grandes centros.
“Campo Grande cresceu numa encruzilhada de rotas dentro do Estado e passou a ter um papel importante de ligação em vários pontos, o que influenciou a organização interna da cidade”, avalia a geógrafa da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) Cleonice Alexandre Le Bourlegat.
Os tais subcentros têm “praticamente tudo”, mas ainda dependem do centro. Como exemplo, a geógrafa explicou que um determinado bairro pode ter filiais de redes grandes, mas a sede fica na região central.
De qualquer forma, o cenário “resolve a vida” de quem, no seu próprio bairro, consegue ir ao mercado, pagar contas, comprar mercadorias além da necessidade, entre outros, sem precisar se deslocar para longe.
Região da avenida Júlio de Castilho, bairros Moreninhas e Aero Rancho, Coronel Antonino são locais que experimentam, há um tempo, a característica de um subcentro.
Segundo Cleonice, o fenômeno, além de funcional, é bom para os setores econômico e social. “Porque não gera exclusão, ao contrário. A população participa não só como consumidor, mas também como empreendedor, por exemplo”.